VINTE E DOIS

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PARTE 2: ÉDRA ZARVOS

Arabella, Ano 323

DURANTE MESES, nós nos encontramos naquela floresta de madrugada. Atlas me contou mais sobre sua vida com o passar do tempo. Todas as noites de sono trocadas por poucas horas ao lado do meu irmão valiam cada segundo. Meu medo da solidão ainda existia, mas era barrado pela sensação boa de voltar a fazer parte da vida de Atlas a cada dia.

Em uma manhã estranha, eu recebi a notícia que fez meu mundo cair novamente.

À medida que eu descia as escadas, notei outra voz em nossa casa. Minha mãe estava recebendo alguém. A pior parte de ser uma família irrelevante e pobre naquela tribo é que você aprende que se há alguém te visitando, só pode ser o líder. Nem sempre sua visita significava algo bom para os outros. Para mim, sua visita era um pesadelo tornando-se realidade.

— Arabella! — exclamou minha mãe no mais falso dos tons no mesmo momento em que notou minha expressão atônita. — Nós estávamos falando sobre você.

Por maior que meu choque perante ao líder fosse, ainda me obriguei a reverenciá-lo. Eu sabia o motivo de sua presença, mas ainda assim rezei para que fosse qualquer outra coisa. Talvez minha mãe tenha sido pega em um esquema de abandono e por isso serei adotada por outra família.

— Sabe, estive conversando com sua mãe durante os últimos meses — dizia ele —, e sua pontuação nos treinos é impecável desde o princípio. Não sei se você está a par da situação, mas você é a primeira recruta a ter a pontuação completamente inabalável na história desde Myliand.

Engoli em seco, dando tudo de mim para suportar o nó colossal que se instalava em minha garganta. Minha mãe prende minha atenção para si por um segundo, zangada com minha reação aturdida pelas palavras do líder; eu precisava no mínimo mascarar minha gratitude e admiração inncondicional pela sua visita. Sorri, por mais que meus músculos reclamassem.

— E claro, você é uma medusa. Medusas com tal nível de proficiência são raridade. Por isso, e também por seu entusiasmo aparente em sua evolução, foi decidido que abriremos uma exceção no processo de transição de meros recrutas à membros da Casa Pontiac.

— Você será vendida mais cedo! — anunciou minha mãe. Em sua alegria, sua agressividade se escondia. Naquele momento, era claro que ela sabia de Atlas e de todas as vezes que fugi. Meu rosto empalideceu; foi um trabalho árduo abrir o sorriso depois daquela notícia. Felizmente, as lágrimas que escaparam foram confundidas com alegria.

Eu nunca mais verei Atlas.

Depois que ele foi embora, minha mãe me espancou.

— Você deveria ter me esforçado mais para disfarçar; estávamos na frente do líder, garota estúpida! — ela dizia entre as pauladas que depositava em minhas costas com algum metal quente. Aprendi com o tempo que gritar tornaria a punição mais forte, então eu cobria o rosto como conseguia. O chão frio de madeira, todavia, me obrigou a morder o próprio braço. Mesmo depois de tudo, minha mãe não mencionou Atlas. Ela estava disposta a me fazer engolir sua decisão espontânea e aceitar que Atlas "se foi".

Na mesma noite, eu me preparei para fugir.

Não sabia para onde iria, mas descobriria isso quando encontrasse Atlas esperando por mim na floresta.

Atlas! — chamo. Andar, correr ou atravessar era doloroso com as costas em carne viva. Minha mãe prometeu me levar à uma curandeira pela manhã antes do meu último treino para que meu desempenho não fosse abalado. Infelizmente, eu não estaria lá quando ela acordasse.

Quando finalmente encontrei Atlas, sua expressão era tão desolada quanto a minha. Sua pele branca estava completamente coberta por cinzas e seus olhos estavam perdidos. No momento em que nos aproximamos, seus joelhos cederam e ele cai no chão aos prantos, me abraçando com força. Eu não senti dor quando isso aconteceu.

Ele se foi — Atlas soluçava. — Ele se foi, ele se foi, ele se foi...

— O que aconteceu com você? — pergunto, forçando sua cabeça a se erguer para que eu pudesse examiná-lo. Debaixo das cinzas, Atlas não mostrava nenhum tipo de ferimento.

— A casa, o celeiro, foi incendiada. Norvell... eu... eu... não consegui salvá-lo.

Meu corpo se paralisou na hora. A ideia de que minha mãe pudesse ser a culpada disso com a ajuda do líder era conveniente o suficiente para me assombrar até o momento presente.

Ambos não tínhamos para onde voltar depois daquele encontro. Atlas perdeu tudo, e eu estava prestes a me livrar da vida miserável que levava.

Assim, nós fugimos.

Dias Atuais

— Não acho que esteja entendendo sua proposta, Nox.

— É simples: a tribo Pontiac é a tribo mais influente não vinculada com o governo. A Governadora tentou negociar você e seu irmão, mas eles recusaram. Eu também sabia que a Governadora teria vocês por bem ou por mal, então tomei a liberdade de instalar bombas na Casa Pontiac, dando a entender que foi obra do governo pela falta de cooperação por parte da tribo. Um de vocês fugiu, o outro; você, foi pega.

"Os líderes Pontiac estão mortos. Sem uma Casa, a tribo inteira está instável e à beira da loucura. Meu plano é fazer você tomar as rédeas da tribo Pontiac e subir no poder novamente. Eles estão completamente cegos de ódio pelo governo no momento, e depois de alguns discursos e talvez dominação à força, eles decidirão cooperar com seu plano. Nós vamos formar um exército de legítimos Pontiac e derrubar o Governo até que não sobre um membro no Círculo de Influência além da Governadora!"

— Então... foi você que... entregou nossa localização? — pergunto, juntando as peças do quebra-cabeça enquanto meu corpo esquenta. Ele não parece se incomodar com minha fúria.

— Não precisamos nos odiar de primeira, Arabella — sua voz, pela primeira vez, soa séria, sombria. Vulnerável à sua presença sufocante, não tenho o que fazer além de agradecer aos deuses por ao menos Atlas estar à salvo. Não sei se posso dizer o mesmo por mim. — Agora, não temos nada a perder. O que me diz? — oferece, estendendo uma mão, claramente zombando do fato de minhas mãos estarem algemadas na cadeira.

Nunca pensei que um híbrido teria mais poder do que eu em qualquer situação, mas aí está. Nox destruiu minha vida por um objetivo egoísta cujas circunstâncias foram favoráveis demais e ele não precisou se envolver diretamente até agora. Quando este garoto morrer, ele pagará muito por seus pecados, tenho certeza.

— Não.

Não? — repete, levantando as sobrancelhas.

— Como disse, eu já estou morta. Eu vivi minha vida com um único objetivo e ele parece ter sido completo. Se eu não tenho nada a perder, prefiro morrer de uma vez. Você, Nox, é um vermezinho de merda, e pode até tirar meus dons de mim, mas se não temos nada a perder, você não é capaz de tirar minha boa vontade.

Nox ri fraco, levanta-se, caminha até a porta e segura a maçaneta.

— Certo — murmura. — Você está certa.

Ele abre a porta, e antes de sair, declara:

— Uma coisa sobre mim, Arabella, é que eu não tendo a desistir dos meus objetivos. Não vou te matar; não sou um monstro. E não, eu não tenho como tirar sua boa vontade, mas eu não tenho pressa. Você aproveite o resto da sua vida acorrentada nesta cadeira. Quando você decidir me ajudar, eu te tiro daí.

Com isso, ele bate a porta e me deixa sozinha. Suspiro, segurando lágrimas que ardem em meus olhos — meu olho. Devo ter cometido um crime muito crítico para merecer isso.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora