DEZENOVE

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ARREGALEI OS OLHOS, implorando por ajuda silenciosamente. Ele nada em direção à rainha, sentada sobre Peter, até sumir de vista em suas costas nuas. A rainha segura o rosto de Peter nas mãos e se aproxima de seus lábios. A centímetros de causar não apenas nossa — como sua — morte, ela para subitamente. E grita.

Um grito tão alto que poderia ensurdecer o salão como um inteiro; rasgar sua garganta com tanta força que talvez ela nunca fosse capaz de falar como antes. Um grito com tanto poder que certamente não saiu apenas de seus pulmões, mas também de seu estômago. Um grito da mais crua e profunda agonia.

Os olhos da rainha encaram Peter com uma urgência descomunal, desesperadamente perdidos, até que ela se afasta de seu colo e cambaleia para trás, contorcendo-se no chão de seu próprio salão. A música para junto com a corte. Não há nenhum outro movimento naquele lugar além de seu corpo em aflição; nenhum outro som além de seus urros por um bom minuto. Seu colar — e Norvell — sumiram. Quando os guardas começam a acudi-la, vejo que suas costas estão em carne viva, e uma extensa linha de pele pende sobre sua lombar, como se alguém houvesse arrancado uma camada de forma grosseira e impiedosa. O sangue da ferida contamina o mar, deixando a água com uma coloração avermelhada. Quanto mais a rainha se desespera, mais a pele arrancada de sua dorsal se enrosca em seu corpo e piora seu sofrimento. A visão é chocante o suficiente para me paralisar por um momento enquanto sua silhueta — junta a de toda a sua corte — some de vista obstruída pelo sangue. Peter levanta-se do trono, atordoado. Alguns guardas o imobilizam, outros fazem o mesmo comigo. Em pouco tempo, fomos escoltados para fora do lugar. De volta para a prisão.

Era Norvell! — sussurrou estupefata, chegando perto da cela de Peter no segundo em que os guardas nos deixam à sós para voltar ao salão e lidar com os ferimentos de sua rainha. A escuridão me deixou no momento em que nossas algemas foram retiradas e o vazio torna minhas sensações volúveis novamente.

— Sim, tudo indica que sim — responde Peter, preocupado, tapando o olho direito com a mão.

As portas se abrem novamente. Minha postura se apruma de imediato junto ao meu irmão. A imagem mais intrigante prende nossa atenção quando um pequeno caranguejo branco aparece e corta as barras de corais com suas garras, formando espaço o suficiente para que pudéssemos escapar de nossas celas sem sermos queimados pelos mesmos. O caranguejo some de cena, voltando com uma pérola entre as garras. A energia que a envolve confirma que é a Pérola de Lupe. Ele caminha até onde estou e deposita o artefato ao meu lado. Desacreditada, envolvi a pérola nas mãos com o cuidado que alguém teria ao guardar uma peça de vidro frágil ou um mineral extremamente raro e de grande valor.

Quando olho para frente, Peter já está me trazendo de volta a realidade, obrigando-me a me levantar e segui-lo até o outro lado da cela, onde um peixe-vela branco nos espera.

Um peixe-vela que já foi um caranguejo e um peixinho discreto e antes disso era o legítimo que ama meu irmão.

No corredor da prisão, os guardas estavam mortos.

Nós nos seguramos em Norvell da forma que conseguimos. A proximidade do artefato torna minha visão consideravelmente turva. Meu coração se acelera novamente. A velocidade de Norvell obrigou meu irmão a me segurar com mais força para que minhas mãos não escorregassem. Sinto meus cortes abandonando os resíduos de musgo e se expondo completamente à água fria, em atrito constante com nossa fuga entre o sangue que banha o reino. Ainda assim, a rainha certamente deve sobreviver.

E espero que ela não tente ir atrás de nós depois disso.

À medida que nos afastamos do reino, consigo ouvir o movimento atrás de nós. Há guardas e sereias nos seguindo. Suas caudas são tão eficazes quanto a de Norvell e tudo que posso fazer é torcer para que — mesmo com o peso extra de duas pessoas segurando-se em seu corpo — ele ainda seja mais rápido. A possibilidade de voltarmos para aquela prisão, agora com Norvell, me causa calafrios e aumenta o pânico. A possibilidade de morrermos aqui e tudo ter sido em vão — levando comigo meu irmão, seu amante e o futuro de Myliand que me comprometi a proteger há algum tempo atrás — é três vezes pior.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora