Adelle - Skyfall
Cinco anos atrás.
"Senhor Pawat, pode me acompanhar, por favor?"
Paralisei por um instante. Não tinha feito nada de errado, então por quê me chamavam? Troquei olhares com Nanon, que me incentivou com um gesto de cabeça e só então me levantei.
"Traga suas coisas."
Franzi as sobrancelhas, olhei para Non outra vez. Agora seus olhos receosos pareciam me pedir para ficar. Joguei de qualquer forma o único caderno em minha mesa dentro da mochila e me despedi brevemente dele, porque sempre nos encontrávamos de novo à tarde.
"Eu te mando mensagem." Eu disse, e ele sorriu fechado.
Os corredores daquela escola nunca foram tão silenciosos como naquele dia, enquanto eu passava por eles. Em minha cabeça, não conseguia chegar em nenhuma conclusão. Algo parecia errado, embora não soubesse o quê. Era agosto, mas o dia tinha amanhecido nublado. Uma brisa fria me fez arrepiar enquanto tentava chegar em alguma conclusão precipitada.
Quando coloquei os pés na diretoria, o único que vi foi Arthit, nosso motorista. Ele, que sempre fora alegre, estava cabisbaixo. Me chamou com um gesto de mão para o lado de fora, mas eu queria saber o por quê.
"Eu explico no caminho."
"Caminho para onde? O que aconteceu, Senhor Arthit? Por quê estão todos assim?"
"Sua mãe lhe espera no carro, Senhor Pawat."
Mamãe? O que veio fazer? E por quê não veio me ver, já que está aqui?
Pensei. Lembro de resmungar sobre como eu sempre era o último a saber de algo. O caminho do portão até o carro era curto. Quando Arthit abriu a porta, vi mamãe com o rosto virado para o outro lado. Estava toda de preto, da cabeça aos pés. Era um vestido lindo, e eu a elogiaria, se não tivesse visto sua expressão ao olhar para mim.
"O que aconteceu, mãe?"
Me apressei para entrar no carro e a envolver em um abraço, no qual ela desabou. Nunca tinha a visto chorar em toda minha vida, mas naquele dia ela chorou feito criança. E foi só então que um pensamento brutalmente invadiu minha mente e minha boca e sem que eu percebesse, repeti tais palavras.
"Cadê o papai?"
Houve silêncio por um tempo. Arthit não ligou o carro. Mamãe não chorou. Mais uma vez, o mundo ficou quieto. Deve ter durado cinco segundos, mas para mim, pareceu uma eternidade. Ela me soltou devagar e segurou meu rosto com cuidado. Me observou por algum tempo e disse num fiasco de voz, tão fraco quanto ela:
"O seu pai morreu."
Não tive reação nos primeiros segundos. Olhei no fundo de seus olhos durante estes, procurando por algo que respondesse todas as perguntas que surgiam em minha cabeça. Sobrepondo uma as outras, em algum momento já não tinha mais espaço para estarem ali. Um zumbido crescia em meu ouvido esquerdo e quando me dei conta, em meu corpo faltava ar. Olhei ao redor procurando por qualquer coisa que indicasse que não se passava de um sonho ruim. Os braços magros e afoitos de minha mãe me seguraram, e sem que eu soubesse, um grito longo e dolorido deixou meus pulmões. A partir daquele momento, tudo o que fiz foi chorar, espernear e gritar em seus braços durante todo o caminho, sem cessar.
Me lembro de avistar a funerária e descer do carro sem pensar. Corri pelos corredores em prantos, procurando por seu rosto em todos os amontoados de flores, em cada sala daquele lugar até finalmente encontrar. Corri até onde minhas pernas me permitiram e caí sobre o chão gélido pouco depois, sem força alguma, a poucos passos de seu caixão. Meus gritos ecoavam pelo lugar e eu sabia. Eu, que fui ensinado desde que aprendi a falar sobre como não é educado deixar com que sua voz seja ouvida em lugares calmos. Eu, que fui ensinado a nunca demonstrar sinal de fraqueza, chorava como se o corpo machucado fosse o meu. Me arrastei até a borda da madeira, e senti os braços de alguém me levantar quando o toquei. Nunca soube quem, mas na hora, soube que queriam me tirar dali. Me tirar do lado de meu pai, da companhia que tinha hora marcada para ir. Com uma força que nunca tive, me soltei daqueles braços enquanto gritava para que se afastassem de mim. Tudo o que eu queria era vê-lo. Tocá-lo. Dizer o quanto lhe amava mais uma vez.
"Papai... por que está aqui? Nós temos planos para hoje... você se esqueceu?"
Ele jamais se esqueceria... e eu sabia. Acariciei seu rosto frio coberto por um fino véu enquanto minhas mãos tremiam. E ali fiquei, dois dias e uma noite. Não comia, não bebia. Não tinha tempo para dormir. Se aquelas eram suas últimas horas na Terra, eu queria passá-las do seu lado, e foi o que fiz.
Com o passar do segundo dia, acharam que o tempo tinha me confortado, mas quando vi dois homens se aproximarem para tirá-lo de mim o desespero me tomou mais uma vez. Quando o fecharam dentro daquilo e o colocaram abaixo do chão, não aceitava que aquele era o fim. Implorei para que não fizessem aquilo. Para que não matassem meu pai, que não o deixassem ali e não o esquecessem. Ninguém me ouviu. Começaram a cobrir seu corpo com a terra fria, e eu não entendia porque faziam aquilo com o meu pai. Ele era uma pessoa boa. Sempre foi. Era minha pessoa favorita. Por quê o tratavam daquele jeito? A terra era fria... ele sentiria frio... ficaria sozinho... e ele não merecia nada disso. Fiquei do seu lado até anoitecer.
De repente, tudo escureceu, e quando abri os olhos, estava em um quarto de hospital. Com febre, anemia grave, e em breve, depressão. Me lembro de como mamãe estava arrasada. Implorava ao médico que não deixasse nada de ruim me acontecer, ou ela não aguentaria. Eles diziam que eu estava fora de risco, mas ela não parecia ouvir. Passei um mês morando no hospital e visitando nossa casa. Meu corpo se recusava a ficar ali, porque via papai em cada canto. Ora desmaiava, ora repetia o comportamento que tive no dia de sua morte. Dentro de dois meses, tinham me diagnosticado com estresse pós traumático, ansiedade, e síndrome do pânico.
Um mês depois, queriam que eu assumisse um cargo que não era meu. Queriam que eu substituísse papai.
Mas ele não é substituível, e nunca vai ser. Nunca vai ser.
Me lembro do escândalo na mídia. No velório sequer os vi, mas mamãe disse que estavam por toda a parte. Entretanto, quando o assunto "sucessor" veio à tona, ignorar a perseguição não foi uma opção. Me levaram até a empresa. Me fizeram sentar onde o meu pai sentava. Eu cresci o vendo sentado ali, tomando conta de mim e de tudo, e me fizeram sentar ali. Tudo me indignava. Eu queria me rebelar e negar tudo. Dizer que não faria aquilo nunca, e que se precisassem de alguém para fazer aquele trabalho, jamais seria eu. Mas o secretário dele segurava os meus ombros e me dizia
"Seu pai te criou pra isso. Se não cumprir o propósito dele, o quão decepcionado vai ficar? É isso que você quer?"
E eu odiava aquele homem mais do que qualquer outra coisa no mundo. Odiava o tom e as palavras que usava comigo. Quase como se me ameaçasse, ele revivia meu pesadelo todos os dias. Desde que me entendo por gente, quis que meu pai se orgulhasse de mim, porque ele era o meu maior orgulho... e eu sabia que se ele estivesse me vendo, certamente orgulho era algo que não sentiria.
No entanto, ao invés de me incentivar, pensar nisso me envergonhava. Além de toda a confusão mental que aos dezoito anos tive que suportar, agora carregava um fardo ainda maior: sem chance de escolha, me tornei o dono da maior empresa do mundo.
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THE LAW
FanfictionOhm Pawat se torna o maior empresário do mundo da noite para o dia. Preso em uma vida luxuosa e indesejada, ele se vê sem saída quando se dá conta de que o amor de sua vida é seu maior inimigo. Nessa história, ser vulnerável é o maior pecado que al...