Capítulo 5

2.4K 164 4
                                    

Às dez em ponto, Gabe e John chegaram. Eu ainda estava no banho quando ouvi a campainha tocar e me apressei.

Coloquei uma calça de moletom, uma regata branca e corri para sala.

Lá estavam eles, o John com duas caixas de pizza nas mãos e o Gabe com cinco, exatamente cinco caixas de comida chinesa. Quase gritei de alegria. Amava comida chinesa! Mas lembrei que devia inúmeras desculpas aos dois pela noite anterior.

- Oi, travesti! - Gabe sorriu pra mim e colocou as caixas no balcão vindo na minha direção.
Retribui o sorriso de um jeito envergonhado e o abracei.
- Por favor, nem me lembre disso - respondi afastando-me um pouco para fitar o chão.
- Olha só - John falou alto da porta - ela é tímida quando não está bêbada. Quero sua outra versão de volta, Chloe.

Ele riu.

Levantei o olhar e acenei para o John que apontou as caixas de pizza em minha direção. Peguei-as e pus também em cima do balcão.

- Não bebo nunca mais. Não quero lembrar daquela noite nem sob tortura - falei distraída com o cheiro das pizzas.
- Mas foi exatamente isso o que viemos fazer... - Gabe disse sentando-se no sofá, demonstrando está bastante à vontade.

Revirei os olhos e fixei o olhar no John, fazendo um gesto para que ele ficasse à vontade também. Sentei ao lado do Gabe e estiquei as pernas em cima a mesa de centro.

- Parece que estou lhe devendo uma camisa. - cutuquei o braço do Gabe.
- Não se preocupe, moça. Tem muito mais de onde veio aquela. Você está bem? - segurou minha mão que estava em seu braço e me encarou.
- Estou bem. Pra onde foi a Hanna? - olhei ao redor.
- Na portaria. Ela foi receber uma entrega. - John respondeu, sentado-se no outro sofá.

Entrega? A essa hora? Mas aqui já não tinha comida suficiente?

- Então, o que vocês me deram pra beber sexta-feira, por que confesso que nunca me senti tão perto da morte.

Era mentira. Eu já havia encontrado frente a frente com a morte, a nove anos atrás, no acidente da minha mãe. Aquele dia catastrófico, perturbador. Balancei a cabeça quando senti lágrimas brotarem em meus olhos. Aquele não era o momento!

- Tudo bem, Chloe? - Gabe apertou minha mão com carinho.

Respirei fundo afastando a onda de emoções que ameaçava surgir. Forcei uma risada e respondi:

- Claro, mas falando sério, o que mais aconteceu naquela noite?

Gabe e John se entreolharam e riram. Acompanhei o momento de descontração e ri também.

- O que foi? - perguntei.
- Você dançou com todos os travestis que tinha no Cerise Club's - John começou.
- Nunca achei que tivesse tantos por lá. Foi cômico e assustador - Gabe terminou de falar.

Arregalei os olhos e joguei a cabeça para trás, soltando um suspiro frustrado.

No mesmo instante, a porta se abriu e de lá vinha uma Hanna saltitante com um pequeno embrulho nas mãos. Foi até a cozinha e guardou-o em um dos armários.

- Qual o motivo das risadas? - falei acompanhando seus movimentos.

Ela perguntou voltando para sala e sentando-se no colo do John, depositou um selinho em seus lábios.

Opa, o que eu tinha perdido?

- Estamos falando sobre como a Chloe dançou super bem as músicas do Michael Jackson, com os amigos travestis - John falou acariciando as costas da Hanna de um jeito íntimo.

- Eu dancei Michael Jackson? OH MEU DEUS! - enterrei o rosto nas mãos em um desespero palpável.

- Chloe, Você não lembra que gritava por toda pista de dança "Viva ao Michael Travesti"? - Hanna falou entre risadas.

Levantei a cabeça e notei que tinha virado a piada do século. Que ótimo! Alguem ai viu um buraco? Preciso depositar a pouca dignidade que me restou lá dentro.

- E aquela hora quando ela...
- Chega! - explodi interrompendo o John - Não quero ouvir mais nada. Será que dá pra gente comer? Estou faminta!

John não parava de rir. Hanna levantou-se do seu colo e caminhou para cozinha.

- Tem razão, a comida vai esfriar - Gabe disse.

Olhei de relance para os rapazes sentados no sofá e não pude deixar de rir. Aqueles dois tinham me visto pagar o maior e pior mico de todos os tempos, mas ainda estavam ali. Parece que eu tinha feito amigos malucos, mas maravilhosos.

Fui para cozinha ajudar a Hanna com os pratos, mas não sem antes ouvir o Gabe dizer que eu deslizava para trás igualzinho ao Michael. Que tragédia!

- Você e o John, hein? - perguntei batendo com meu ombro no ombro da Hanna. Ela riu e me entregou umas taças.

- Pois é - ela começou a dizer - Depois que o Gabriel te deixou no hospital, ele me trouxe em casa e aí rolou.

Arregalei os olhos, fazendo a Hanna rir.

- Não é isso que você está pensando, sua doida! - ela disse revirando os olhos.

Coloquei as taças na pequena mesa de jantar no centro da cozinha e fui até a geladeira pegar o vinho. Assoviei chamando atenção dos rapazes que estavam animados numa discussão sobre futebol. Quando Gabe se aproximou do balcão, entreguei a garrafa e apontei para que ele a abrisse.

Voltei para o lado da Hanna e ela comentou:
- Saímos hoje à tarde. Ele parece legal.
- Parece mesmo - falei olhando por cima do ombro, no momento em que o som abafado de rolha sendo retirada soou pela cozinha. Peguei a garrafa das mãos do Gabe, agradecendo com um aceno de cabeça.

- Você vai beber? - Hanna perguntou
- Não sei. O que foi nessa entrega que você recebeu?
- É uma coisa pra ressaca. Ou melhor pra evitá-la.

Franzi as sobrancelhas mas eliminei qualquer pensamento que me forçava a pensar que o Dr. Nicolas Balst tinha algo a ver com aquilo.

Sentamos à mesa e o John encheu nossas taças. O cheiro suave do vinho invadiu meus sentidos me fazendo salivar. Amava vinho.

Começamos a comer e beber, falando pouco só em determinados momentos. A comida tava tão boa que eu queria curtir cada pedacinho dela. As vezes, só o som dos talheres nos pratos pairava no ambiente.

- Remedinho pra ressaca? - Gabe quebrou o silêncio que ja estava começando a me incomodar.

- É, essas coisas pra evitar enjôo e mal estar. É para Chloe. - Hanna respondeu me passando um frasquinho de vidro, com um líquido cor de cereja. - Bebe.

- Pra mim? - olhei a embalagem que não tinha nada mais do que uma tirinha colada com a frase "a cura, o milagre".

Dei risada e virei de uma só vez o que havia no recipiente. Era doce. Bom.

Continuamos a jogar conversa fora e terminamos com as cinco caixas de comida chinesa num tempo recorde. Ainda sobrara vinho na garrafa e o John reabasteceu nossas taças outra vez.

- Não seria pecado beber álcool depois de ingerir "o milagre"? - Gabe brincou tirando a taça de minhas mãos. Tomei-a de volta e virei o restante de vinho, quando ouvi a Hanna dizer:

- Desse pecado ela gosta. Ela bebeu "o milagre", mas Nicolas Balst é "a cura".

Engasguei com o liquido que ainda estava em minha boca e senti a haste da taça despedaçar em minha mão.

Eu sou o arrepioOnde histórias criam vida. Descubra agora