- Vocês me dão licença rapidinho? Eu volto já.
Sob os olhares atentos do Gabe e do John, levantei da cadeira e quase esbarrei com a Hanna, que chegava naquele exato momento.
Meu olhar não estava mais dentro do barzinho, se fixava lá fora. Nele.
- Algum problema?
Hanna perguntou acompanhando meu olhar para o outro lado da rua.
- Porra!
Ela disse voltando a me olhar. Levantei as sobrancelhas e soltei a respiração. Mostrei a mensagem no celular para ela. Sua expressão divertida e cheia de surpresa me fez rir de nervosismo.
- Eu sei. - disse - Preciso ter aquela conversinha com ele. Me esperem, não vou demorar.
Hanna assentiu e passou por mim, sentando na mesa com os rapazes.
Saí do bar e uma brisa quente atingiu meu rosto, fazendo-me respirar fundo. Lá fora, a noite caía devagar. Atravessei a faixa de pedestres e parei em frente à cafeteria.
Nossos olhares se encontraram e um arrepio involuntário agitou todas as células do meu corpo. Nicolas guardou o celular no bolso interno do jaleco e sorriu pra mim. Suas covinhas não apareceram.
- Não queria estragar sua reuniãozinha...
- Como sabia que eu estava aqui?
Perguntei cruzando os braços e encarando seu rosto.
- Aqui não. - ele fez um gesto vago com os dedos para o espaço entre nós - Ali. E não sabia, acredite em coincidência. Como disse, estou de plantão e vim buscar um café.
Desviei o olhar de seu rosto e fixei no semáforo. Sinal verde. Hora da pergunta:
- Nicolas, o que você me deu na noite que jantamos?
Seu rosto ganhou uma animação descarada. Apertei os dentes.
- Além daqueles amassos na escada de emergência? Nada.
Passei as mãos pelo rosto num gesto impaciente e repeti:
- O que você me deu na noite do jantar? Para beber? - acrescentei.
Nicolas bebeu um gole de seu café e sem tirar os olhos de mim, falou baixinho:
- Não quer entrar pra conversamos?
- Não. Não quero.
Respondi seca. Observei seu peito subir e descer numa respiração profunda. Ele parecia nervoso.
- Então nem pense em começar a gritar como uma maluca.
Arregalei os olhos e quase meti a mão em sua cara outra vez, mas estávamos no meio da rua, com pessoas ao redor observando cada ação ali exposta.
- Eu não vou gritar como uma maluca, eu só quero saber o porquê você me deu um calmante.
Falei sem processar o filtro. Não sabia se aquela possibilidade era verdade, mas mesmo se não fosse, ele ficaria avisado de que eu percebo tudo. Ou quase tudo.
Os olhos de Nicolas ganharam uma sombra cheia de significados. Aquilo era uma afirmação?
- Do que você está falando?
Uma risada irônica escapou de mim antes que pudesse impedir.
- Eu jurei que você me achasse uma chata e não uma idiota. Fala sério Nicolas, quantos anos você tem?
Seus olhos estreitaram e ele bebeu mais café.
- Vinte e nove, mas o que isso tem a ver? Eu não coloquei calmante em sua água pra tentar algo contigo, Chloe. Você estava cansada, exausta, provavelmente se te deixasse em casa, você iria procurar uma garrafa de bebida para ajudá-la dormir. Não podia fazer isso.
Parei de escutar quando ele admitiu que me deu o calmante. A raiva em mim foi tanta, que bati com minha mão em seu copo de café, fazendo-o cair no chão e derramar o líquido na calçada.
- Quem você acha que é? Eu sou tão burra! Acreditei nesse seu papinho de "eu me preocupo com você" e olha só o que aconteceu? Só foi eu vacilar pra você - apontei pro seu peito - colocar algo naquela maldita água.
Nicolas parecia extremamente calmo, e aquilo me incomodava demais. Como uma pessoa podia ser tão fria?
- Eu pedi pra você não gritar. Sem showzinho Chloe!
Virou de costas e começou a andar em direção ao hospital.
Pisquei e acompanhei seus passos, não me importando com quem esbarrava no caminho.
- Então é assim? Você praticamente me droga, para no fim da noite me levar pra sua casa pra nada? Eu quero o motivo disso tudo, Nicolas!
Ele permanecia impassível e firme em seu caminhar. Virou numa rua um pouco vazia e colocou as maos nos bolsos. O vento parecia querer me sufocar. Ele parou abruptamente e virou em minha direção.
- Eu já disse! Entre te deixar em casa para beber a noite inteira quando chegasse, e dormir em minha casa, a segunda opção me pareceu mais correta.
- Está me dizendo que me dopar é a opção correta?
Ele se aproximou de mim e segurou meus ombros.
- Claro que não! Mas eu vi o quanto você estava estressada e cansada, naquele seu estado o sono não chegaria rápido. Você beberia e dormiria sob efeito de álcool. Isso é a opção correta pra você?
- E quem te garante que eu iria beber? Porque não poderia só deitar na cama, fechar os olhos e dormir?
Falei alto, começando a respirar com dificuldade.
Algumas pessoas que passavam pelo local, viravam o pescoço em nossa direção. Bando de curiosos filhos da puta!
- Porque eu sei que você não conseguiria!
Ele respondeu no mesmo tom, me fazendo recuar.
- Então só foi por isso? Pra me fazer dormir? - Perguntei fitando seus olhos levemente claros por causa da luz dos postes.
Ele balançou a cabeça. Mas não me convenci. Aquilo tudo ainda era estranho. Ele disse que eu não seria sua pesquisa sobre alcoolismo, agora eu já começava a duvidar.
Me afastei dele e soltei a respiração.
- Nós não temos nada, Nicolas. Essa coisa de você se preocupar comigo é diferente, quando só duas pessoas nesse mundo inteiro se importam de fato comigo, a Hanna e o meu pai. Então não sei se ainda devo confiar em você.
Ele passou as mãos pelo cabelo e desarrumou os fios de um jeito extremamente sexy. Se algumas mulheres tinham fantasias com policiais, bombeiros ou magnatas de paletó e gravata, é por que ainda não tinham visto Nicolas vestindo um jaleco.
- Chloe, você prometeu me ajudar na pesquisa.
- Eu sei, e vou fazer isso. Desde que você não me transforme em sua pesquisa.
- Eu já disse que não vou. - olhou o relógio em seu pulso e me observou - Preciso ir. Tenho alguns pacientes me esperando.
Engoli o nó em minha garganta e assenti. Então era isso, ele admitiu que havia me dado calmante para... Evitar que eu bebesse? Isso é sério? Sabia que ele não faria aquilo para tentar algo comigo, o que "sentíamos" era nítido demais para usar substâncias terceiras.
- Preciso voltar para o bar.
- Não beba demais.
Revirei os olhos.
- Já disse que não sou sua paciente.
- Mas eu ainda me preocupo com você.
- Vai à merda, Nicolas!
Nem pisquei, e suas mãos estavam em minha cintura. Apertando. Com força. Prendi a respiração e olhei seus olhos.
- Deixa de agir como uma menininha mimada, coloca uma coisa na sua cabeça, o mundo não vai parar para que você se recupere de algo, entendeu?
Sua voz estava alta e firme, o nó que estava em minha garganta, desceu pro estômago. Tive vontade de chorar.
Ah não, Chloe. Chorar na frente dele não.
Desvencilhei de suas mãos e falei entre dentes:
- Vai se foder!
Virei de costas e corri para o outro lado da avenida, aproveitando o sinal fechado para atravessar a rua. Não olhei pra trás. Não queria que ele me tratasse como uma doente. Ele tinha dito, que eu não era. E eu não sou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu sou o arrepio
RomanceChloe Sandler é universitária e futura diretora da construtora de seu pai. Após a morte de sua mãe, nove anos atrás, Chloe tem enfrentado problemas familiares que a denominaram duas coisas: "o milagre" e "a culpa". Após uma noite de comemoração, Ch...