45 - Fogo na Lenha

73 5 0
                                    

- Segunda que você volta a estudar? - ela mexia a panela com um pano de prato jogado no ombro, eu estava sentado na mesa mas a mente nem tava lá. - Em?!

- O que? - olhei pra ela enquanto ela me encarava.

- Segunda você começa a fazer o que, Playboy?

- Ata, escola... Voltar lá naquele inferninho.

O que eu tava arrumando da minha vida? Primeiro dia morando junto com a Natacha e eu já me sentia adestrado. O que eu tava fazendo? O que eu fiz da minha vida pra estar sentado em uma mesa cortando cenoura?
Será mesmo que a minha vida ia virar aquilo lá ou a delegada tava certa?
Eu nem sei mais quem eu era ou o que eu  ia ser dali em diante. Sério, eu tô começando a ficar assustado!
A domingo passou depressa, trouxe a segunda como um soco na boca do estômago. Não dava mais pra evitar, eu tinha que voltar pra escola, terminar aquela bosta e, finalmente, ir viver a minha vida de cachorro de apartamento!

- Presente. - gritei assim que ouvi a professora chamar meu nome, pude notar um tanto de olhares pra mim.

- Você tá bem? - disse a ruiva que sentava atrás de mim. - Quatro anos estudando com você e foi a primeira vez que ouvi você marcar presença.

- Tô melhorando. - disse sem manter contato visual mas pude sentir ela dar de ombros ao ver que eu não estava melhorando.

No primeiro dia eu esperei Bruna, esperei ela mais do que qualquer outra coisa naquela escola mas ela não estava lá! Onde será que aquela garota tava?!

- E aí. - estiquei a mão em cumprimento e ele voltou a apertar minha mão. - Tem visto a Bruna?

- Cara, não vi. - Yan coçou a cabeça e pude ver realidade em seu olhar. - Ela sumiu depois das férias, não tô ligado.

- É isso. - acenei com a cabeça e saí da escola.

O que será que tinha acontecido com a Bruna? Resolvi ir até sua casa, eu precisava mesmo falar com ela.
Caminhei até a mesma, enquanto contava baratas na rua e meu companheiro era só Deus e um cigarro, bem irônico.
Toquei a campainha decidido.

- Olha quem apareceu! - Dylon me recebeu com um olhar feliz.

- Opa, chefe. - dei um sorriso de canto e joguei o cigarro pra longe.

- Entra! - deu espaço no portão mas eu hesitei. - Entra logo, Felipe... Vamos tomar alguma coisa.

Pelo amor de Deus, coroa... Era segunda-feira!
Entrei.

- E aí, como foram as férias? Se divertiu muito?

Ah que isso, não fiz nada de bom. Transei com a sua mulher, me meti e resolvi algumas encrencas, tô casado mas vou te confessar... Meu pai lateja quando vejo sua ex-mulher de farda.

- Fiz nada de bom, Dylon. - batuquei os dedos na mesa e prendi os lábios.

- Quem dera se eu tivesse sua idade... - disse com um sorriso perverso nos lábios, como se ele soubesse exatamente que eu tava mentindo.

Papo vai e vem, Dylon serviu um copo de uísque cowboy pra nós dois. O que era pra ser uma simples visita pra Bruna, estava começando em bebida e petiscos.

- Aí eu falei "quer me fuder, me beij!". - e nós rimos juntos no terceiro copo de Jack de Mel.

- Pode crer, eu não faria diferente! - já estava vermelho e com a barriga doendo de tanto rir.

Nossa conversa foi interrompida por alguém entrando e o barulho do portão se batendo.

- Ela chegou. - sussurrou Dylon.

- Bruna? - não obtive respostas.

- Trouxe suas coisas, Dylon. - Sandra entrou com uma sacola pesada em mãos.

Ao me ver, senti como se uma corrente gigante de arame farpado estivesse passando por suas garganta. Ela precisava disfarçar mais...

- Achei que fosse a Bruna. - dei mais um gole no uísque.

- A Bruna decidiu morar junto com uma colega de quarto. - revirou os olhos enquanto contava com tristeza. - Ela que me fazia companhia aqui. - Dylon parecia triste.

- Então, eu devia ter ligado antes. - eu não estava olhando, mas tinha certeza absoluta que Sandra tinha me encarado com certa dúvida no olhar.

- O que? - Dylon ergueu as sobrancelhas. - Tá de sacanagem? Eu tava mesmo precisando disso! - ergueu o copo em um brinde e assim eu fiz, com um sorriso no rosto. - Eu vou aproveitar que você chegou e vou no banheiro. - disse apontando as sobrancelhas pra Sandra saiu em retirada.

Eu pude contar nos dedos quantos segundos demorou pra Sandra fazer sua primeira pergunta, demorou 6seg.

- O que você quer aqui? - bateu o melão na mesa.

- Boa noite, delegada. - fui sarcástico. Eu não podia ficar bêbado perto dela... - Eu vim ver a Bruninha mas ela não tá aqui, se você tivesse me avisado...

- É, ela disse que ia tentar a vida dela. Acho que cansou de pessoas mandando ela fazer as coisas. - foi grossa me interrompendo mas continuou arrumando as coisas em cima da mesa.

- Errada não tá. - dei outro gole. - Senta aí, vamos beber.

- Não... Eu só vim deixar as compras pro Dylon. Eu tenho compromisso. - encarei o relógio de pulso.

- Compromisso? Onze da noite? Numa segunda? - ergui as sobrancelhas, condenando ela. - Sabe que entre nós não tem segredo, delegada.

Ela se sentou na cadeira ao meu lado, com uma cara de que algo estivesse errado, eu ia perguntar mas não tive mais tempo, Dylon voltou pra cozinha e tive que me comportar.
Voltamos a beber alguns copos e Sandra acabou sedendo ao convite. Contou algumas histórias antigas de quanto estava na polícia e como sua dupla com Dylon era mais engraçada do que produtiva. Pude notar que havia uma sintonia ali, mas agora, era algo sobre amizade e não sobre amor. Era nítido que restou respeito e reciprocidade de ambas as partes.
Encarei o relógio.

- Porra. - falei em um tom um pouco alto. - Desculpa. - sorri meio bêbado, mas aquela altura, tudo tava tão engraçado! - Eu tenho que ir, vai dar três da manhã... Tô atrasado pra dormir.

- Ah não, fica aqui. - Dylon resmungou.

- Precisa de carona? - sua não, Sandra.

- Preciso. - eita, como faz burrada... - Fim de semana, eu venho! Promessa de bar! - Dylon riu enquanto se levantava e me abraçava com força.

Saímos da casa aos tropeços e risadas.
O que tava acontecendo aqui?!
Entramos no carro e assim que fechamos as portas, o desconforto veio.

- Pra sua casa? - ela disse enquanto eu fungava o nariz.

- Como assim? - estava meio aéreo por conta da cachaça.

- Você vai ficar lá? - ela disse como se fosse o óbvio e eu concordei com a cabeça, voltando pra realidade.

Ela ligou o som e deixou tudo um pouquinho mais aconchegante, ela cantava junto.
Sem que eu pudesse controlar, meu olhar era seu agora, fiquei fitando sua boca mexendo e sua voz saindo como se fosse uma trombeta pra anjo.

- Que foi? - disse rindo.

- E se tu tiver certa? - ela me olhou por alguns segundos, antes de olhar pra frente de novo. - E se essa for minha vida, e se eu não souber fazer outra coisa?

- Faz o que você sabe... O que você é, acho que ninguém vai te julgar mais. - ela riu de forma descontraída.

- Então para o carro.

Seu olhar era de dúvida mas ela freiou em qualquer quarteirão pelo caminho.
Ficamos se encarando por alguns segundos antes da desgraça acontecer.
Sandra veio pra cima de mim com sede e eu não deixei que a recepção fosse diferente. Sua mão agarrou com força na minha camisa e pude sentir ela puxando máximo que podia, eu tentava fazer o mesmo com ela. Tudo parecia tão desajeitado por causa da bebida, tão errado mas tava tão bom...

- Nossa, Felipe. - ela estava ofegante. - Que saudade que eu tava.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde histórias criam vida. Descubra agora