54 - Lado Avesso

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A minha vida tinha mudado, isso é fato. Acho que antes eu estava do avesso e agora, fielmente, estava do lado certo.
Pelo menos era o que eu achava!

O fim de semana chegou e os moleques da barbearia me chamaram pra sair, conhecer a noite daquela pacata cidade. Eles diziam que a noite era mil vezes melhor do que o dia e juravam de pés juntos que eu teria a melhor noite da minha vida.

- Cara, cê tem que ir com a gente. - disse TH. Ele era o manda-chuva quando eu não estava.

- Tá. Eu vou! - bufei e revirei os olhos. Ele conseguiu me convencer...

- Eu vou te buscar, só me manda a localização pelo whatsapp. - concordei.

Fui embora depois daquele longo sábado e me dei o direito de curtir pelo menos um dia após esses seis meses. Aliás, o que poderia dar errado?
Agora, eu era só o Felipe... O Playboy estava tão adormecido que eu nem me lembrava de quem ele era. Mas confesso que tinha medo de trazer ele a tona.
Tomei um banho e coloquei uma das minhas melhores roupas, exagerei no perfume e peguei uma boa quantidade de dinheiro, já que não sabia qual seria o valor burguês daquela pequena cidadela.

TH chegou e pra minha surpresa, seu carro era não era do ano, muito menos roubado. Diferente do que eu estava acostumado a ver, tá ligado? Bem diferente...
Era um Civic de uns quatro anos atrás, arrumado, bonito e chamava uma atenção de mulheres promíscuas. Era o que a gente precisava!

- Vou te levar pra uma balada da hora, Felipe. Você vai curtir muito lá, é top. - eu não superava essas gírias de interior.

- Você fuma? - eu estava meio ansioso, precisava relaxar.

- Pode acender aí. - deu de ombros.

- É só um cigarro. - ri desajeitado e assim acendi. Então, eu tinha parado de fumar maconha em lugares públicos.

A balada era bonita, a casa de festa era aconchegante e muitas luzes piscavam a ponto de deixar qualquer um super tonto.
Pagamos pra entrar no ambiente e lá encontramos os outros barbeiros. Éramos os sete anões, faltava apenas uma branca de neve pra completar a trama infantil.
Pedimos bebidas o suficiente e por alguns segundos me peguei pensando no CG e no Rato, esses momentos eram nossos. Que saudade.
Tratei de me concentrar em curtir a noite.

Fumei, bebi e quando me dei conta, já estava tonto e pendurado no TH contando sobre como minha vida foi difícil no passado.

- Então, eu saí dela pra reconstruir minha vida, tá ligado? Devagarinho. - eu falava alto no seu cangote e ele concordava com a cabeça.

- É bom recomeçar. - deu um gole na bebida. - Cidade pequena, ótimo lugar pra se reestabelecer.

- Seis meses. Tirei habilitação, comprei a barbearia, um apartamento, uma moto... Sem palavras.

- Vai voar em um ano, cê vai ver! - ele sorria, parecia feliz por mim. - Vamos pro topo, pai. - deu uma pequena pausa e olhou pro lado reparando alguém. - Agora, se liga... Tem uma mina te olhando faz uma cota. Da uma olhada ali. - e apontou disfarçadamente.

Era aquela morena da academia.
Quais as chances?
Aliás, todas! Esqueci que essa cidade era extremamente pequena.
66 353 993 habitantes, bom... Eu acho pouca gente e muita chance pra bastante coisa.

- Não olha. - disse bem rápido, virando TH pro outro lado e ele ficou meio confuso. - Essa mina é doida, papo reto.

E fiquei a noite inteira disfarçando e evitando ela e cada vez ela chegava mais perto do que o normal.
Eu já estava tonto o suficiente, pronto pra esquecer meu nome, e quando fui sair pra ir no banheiro trombei de ombros com a morena.

- Opa. - eu disse ajeitando o corpo depois da bela trombada.

- Vai fingir que não me viu? - ela riu da própria voz embargada.

- Eu vi, né. Como não que não vê, tá a noite inteira me pajeando! - dedurei seu disfarce.

- Aaah! - ergueu as sobrancelhas apontando o dedo pra mim. - Então você notou!

- Difícil não notar... - troquei o copo de mão. - Mas hoje é um péssimo dia. Pode ser outro dia? Vamo marcar.

- Você não quer me conhecer, eu sei. Eu tentei na academia. - agora ela tinha ficado um pouquinho triste com meu "fora".

- Quero sim. - sorri meio desajeitado. - Só é um momento delicado... - dei de ombros.

- Prazer, Camila. - segurou na minha nuca e me deu um beijo na bochecha se apresentando.

Fiquei lá parado quando percebi que Camila já tinha saído andando e sumido no meio da multidão. Não tivesse a chance de me apresentar também... Mas ok, realmente ficaria pra outro dia.
Fui até o banheiro tirar a água do joelho, voltei até TH e tentei o máximo levar o restante da minha noite na maciota.
TH tirou algumas fotos, postou no story e sempre voltava a perguntar o motivo de eu não ter nenhuma rede social, eu sempre desconversava e ele insistia.
Tinha detalhes sobre a minha vida que nem eu mesmo consegui desvendar ou entender, quem dirá TH...

Já era tarde quando as luzes da boate se acendeu para dispersar o público do ambiente. Deus, quanta gente feia com a luz acesa! Nossa senhora...
Saímos tontos o suficiente e conversando até o carro.

- Eu nem tô tonto... Onde vai ser o after? - TH deu um arroto com cheiro de álcool. Juro que ele acenderia uma lareira.

- Não, para com isso aí. Vamos embora. - o outro barbeiro disse enquanto soluçava de tão bêbado e eu ria.

- Eu vou pra casa. - respondi rápido. - Tô cansado pra caralho... - a verdade é que minha visão estava embaçada o suficiente, já era hora de parar.

Eu tinha que saber o limite do Felipe pro Playboy não ter que assumir.

- Ah qual é... - ronronou TH. - Quer saber? Rolê suave... Vamos uma boate, assistir umas gatas dançar. - eu podia jurar que TH cantarolou e dançou igual uma puta safada.

- Lá ele. - rimos em conjunto. - Nem pensar, TH. Eu tô caindo fora!

Ele fez um beiço.

- Eu vou de Uber, tá suave... Não vou atrasar o rolê de vocês, tá tranquilo.

E assim, eles se despediram e seguiram seus respectivos caminhos. Alguns foram mesmo pro puteiro e outros, como eu, decidiram ir pra casa.
Lá estava eu, vendo o pôr do Sol nascer na porta de uma casa de show qualquer, fedendo a álcool e morrendo de fome.

- Oi, gato. Quer uma carona? - ergui a cabeça e tirei os olhos do celular quando vi Camila parando o carro bem na beira dos meus pés.

NEM PENSAR.
Respondi berrando em minha mente.

- Quero. - maldito Playboy que toma decisões precipitadas!

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde histórias criam vida. Descubra agora