34 - A Carta Surpresa

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Ao abrir os olhos minha cabeça doeu, foi uma dor insuportável.
Pisquei bem os olhos até perceber que o dia raiou e que Sol dolorido era aquele!
Sentei na cama e tomei impulso pra levantar, tirei a camisa e a joguei de canto, andei até a cozinha e tratei de preparar um café forte.
Apesar de chorar feito bebê e admitir que doía, eu estava mais leve e com as ideias no lugar, o que nem sempre acontecia.
Peguei o celular e deixei uma mensagem pra Sandra.

"vc não me contou td, ou tu abre o jogo ou a gente vai ter problema, delegada"

Ao encarar o relógio, vi que o ponteiro acabava de marcar sete em ponto, por isso mantive a calma esperando o retorno da mensagem.
Sem pressa, tudo vai se resolver.
Eu queria me tornar um cara filha da puta, com muito exagero, cuzão a ponto de passar por cima de qualquer pessoa ou ordem mas eu não conseguia. Parece que o ensinamentos da minha mãe, socava a minha cabeça, implorando pra que eu fosse um bom rapazinho.

- Bom dia, caralho. - Rato me pegou sentado na pia bebendo café. - Ah, que droga... Tá parecendo minha tia. - fez careta. - Olha aqui, até me arrepia.

- Vai se ferrar. - eu ri da sua alegria. - Transou foi? - ele concordou mordendo os lábios de felicidade.

- Mano, foi nossa primeira vez na cama juntos. - revirou os olhos. - Que conexão, Playboy!

- Tá legal... Eu acredito. - bebi o restante do café. - E o CG?

- Tá lá com aquela loira, foi a segunda vez dele. - enfatizou bem a palavra 'segunda' e eu voltei a dar risada. - E você...

- Eu dormi sozinho. - Rato me encarou com cara de curiosidade.

- Eu em... - fez um beiço estranho e ainda me condenando. - Tem primeira vez pra tudo nessa vida.

- Aí... - desci da pia. - Chama todo mundo, reunião ao meio dia.

- Problema ou solução? - Rato sentou na janela, meu lugar favorito.

- Isso depende do ponto de vista de cada um.

- Ah, com certeza é problema, Playboy. - virou a boca de lado.

- A gente da conta! - fiz um joinha com a mão esquerda. - Vou tomar um banho e meio dia, em ponto, quero todos aqui.

- Tamo junto, chefe. - ele fez o joinha debochando de mim.

Pronto, meio dia o compromisso era mais que sério.
Beijei a testa da minha tia e ficamos vendo algum programa besta pela manhã, até eu me ajeitar e voltar pra boca, onde todos estavam na casa, sem faltar nenhum. Era até gostoso de se ver.

- E ai, galera. - recebi um "e ai" uníssono. - Seguinte... - prendi os lábios e abaixei a cabeça por alguns segundos. - Vamos ter problemas. Eu descobri quem matou o Patrick.

- O o q-q-u-e? - Rato travou e piscava sem parar. Espalmei a mão para que ficasse calmo.

- Foi uma delegada... E ela teve seus motivos. Ainda não sei ao certo mas eu tenho um contato e vou encontrar ele hoje ainda e esclarecer tudo. O Patrick tinha seus defeitos mas ele me fez da rua e isso foi bom, eu aprendi e errei tentando fazer o melhor. - escorei na mesa. - A gente vai se proteger, todo mundo vai estar atrás da gente. Eu quero crianças e mães em casa, a favela tá em guerra e a gente tem que estar juntos nessa.

Estava quente e silencioso. Apenas minha voz de destaque.

- O Patrick era corrupto, fornecia dinheiro em troca de arrego. Eles vinham, levavam o que queriam, deixavam a bagunça deles pra gente. Não é arrego essa porra! Essa porra é negócio e ninguém deve pra ninguém. Entenderam? - novamente uma concordância uníssono. - Fiquem vivos e protejam a favela. A gente é praga do sistema e não amigo deles.

Agora tudo estava em ordem. Esclareci tudo, cada gota, cada centímetro, cada palavra... Agora todo mundo sabia pelo o que a gente lutava.
Desculpa, delegada.... Seu nome tá na boca do sapo, igualzinho o meu.
A mensagem foi respondida com sucesso!

"eu te disse o que você precisava, não tem mais o que falar... você está do meu lado não é?!"
Sandra

"eu to do meu lado também tlgd e sei que vc ta escondendo algumas partes, onde a gente se encontra?"

"a gente não vai se encontrar!"
Sandra

"vamo ve"

Ela caiu como eu queria que fosse, pronto... Agora eu vou até a Bruna, chamo ela pra uma conversa particular e coloco todos os pingos nos ís.
Bati na porta enorme de madeira, na verdade eu soquei até escutar alguém gritar um distante "to indo".

- Felipe? - Dylon estranhou, aliás... Era quatro horas da tarde, em plena quarta-feira.

- Opa! Eu vim ver a Bruna. - cocei a orelha. - To meio malzão por esses dias... Achei que ela podia me dar uns concelhos.

- Mulher, né? - ele riu e me convidou pra entrar.

- Você sabe, elas tiram a gente do sério. - quis dizer sua ex, aquela maluca!

- Vai lá, ela tá no quarto. - apontou pra escada e pegou seu jornal.

Pude vê-lo sentar-se e abrir o mesmo. Depois de garantir que ele ficaria ali, subi as escadas chamando pelo nome da minha, até então, melhor amiga.
Finalmente abriu a porta e sorriu ao me ver.

- Visita surpresa? - cerrou os olhos em mim.

- Eu sei... - dei de ombros. - To atrapalhando algum ritual com outra melhor amiga? - ela negou com a cabeça e entrei no quarto.

Bom, era minha primeira vez ali. Dizem que é pelos quartos que lemos as pessoas, então... Lá vai minha pequena analise.
O quarto era arrumado e tinha cheiro de doce, tava mais que na cara que a Bruna era meio egoista em relação à doces. Certeza que ao abrir o armário teria milhões deles caindo em cima dela.
Apesar da organização pude notar poeira, talvez ela arrumasse aquilo ali uma vez no mês e olhe lá...

- O que você precisa? É algum recado do Rodrigo? - ela se sentou na cama e parecia animada.

- Ele não sabe que eu to aqui. - fechei a porta e sua animação diminuiu um pouco.

- Como assim? - ela fechou um suposto caderno e colocou na cabeceira.

- Bruna... Você precisa saber um bagulho. - passei a chave na porta.

- Pra que tá trancando a porta? - sua sobrancelha se curvou.

- Eu preciso que você me ouça até o fim. - puxei a chave e coloquei a mesma no bolso.

- Ta brincando comigo, Felipe? - sua voz de braveza foi exagerada.

- Xiu. - implorei. - Bruna, você sabe que meus pais morreram?

- O que? Não to entendendo nada, Felipe! - sentei na cama, frente a frente.

- Quando eu tinha dez anos. - ela me encarava curiosamente. - Foi um policial militar que atirou nela, foi bem na cabeça... Provavelmente ele era novo naquilo tudo, as vezes foi o susto, o calor da emoção, a dureza que é segurar uma arma. - respirei fundo.

- Ah, que droga... Você nunca me falou disso... E-eu achava que a Carla era sua mãe!

- Eu sei, mas ela é a única coisa que sobrou.

- Mas vai, continua... - ela alisou meu ombro tentando me consolar.

- Esse cara se meteu em uma furada, acredita? - eu ri. - Eu passei a merda da minha vida inteira sendo guiado por um cara que me ensinou a ser bandido, me ensinou a vender droga, a usar, a embalar, a mirar uma arma e... Atirar. - tirei a arma carregada da cintura e coloquei sob a cama.

Pensei que Bruna se assustaria com aquilo mas convenhamos que não era seu primeiro contato com uma arma de fogo.

- Mas eu não atirei. - encarei a arma. - Nunca atirei.

- Isso é bom. - novamente, tentando me confortar.

- Ela se chamava Ana Maria. - sorri. - O cara que atirou nela tá lá embaixo lendo jornal, nem sequer ele lembra disso. Era o seu pai, Bruna.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde histórias criam vida. Descubra agora