70 - Passado e Memórias

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Essa conversa com a Bruna tinha sido estranha, foi um pouco sinistra, trouxe certas lembranças do passado.
Eu juro que eu não podia imaginar o sentimento de Bruna dessa forma, depois de tanto tempo eu realmente achava que ela tinha superado o amor platônico dela.
Na minha cabeça, o Rato e ela combinavam super, era tipo uma ligação que parecia dar muito certo... Aliás, teve um casamento, né?!

Afundei o corpo no sofá e deixei que meus pensamentos tomassem conta de mim, precisava fumar, precisava fazer o tempo passar. O dia mal tinha começado e ainda iria demorar até que Camila voltasse, eu tinha mesmo que espairecer, por bem ou por mal.
Desci até o saguão do hotel, atravessei a rua e fui até a padaria, comprei um maço de cigarro e pedi um pingado no copo de plástico. Sentei no banquinho quase de frente pra praia, cruzei minhas pernas e acendi meu cigarro.
Meu Deus, como isso me fazia falta...
Enchi o pulmão de fumaça, quando soltei a fumaça dei um gole no café sem açúcar.

- Perfeito... - sussurrei.

A onda se formava um pouco baixinha, acho que por conta do horário, mas mesmo assim fazia o mesmo barulho. O vento soprava minha camisa e o Sol esquentava um pouco do meu couro cabeludo, já que o cabelo estava baixo. Vira e mexe lembrava do cordão no meu pescoço, era uma saudade boa lembrar da minha mãe, ainda conseguia ver exatamente a cor de seus olhos, que fazia uma junção muito perfeita com seu cabelo ondulado.
O celular apitou e fui conferir.

"Estou adorando, muito obrigado pelo dia, amor "

Apenas visualizei a mensagem, agora eu não tinha nem cabeça pra responder.
Terminei de fumar o cigarro e beber o café com calma.
A conversa com a Bruna foi interessante, reveladora mas mesmo assim... Parecia faltar alguma coisa. Quero dizer, passei anos vigiando todos de longe, ligando pra Sandra de números desconhecidos... Quem eu queria enganar? Eu me preocupava com todos. Eu sentia saudades de alguma coisa sem saber exatamente o que, sendo que minha vida com Camila era tudo de bom... Ela tinha exatamente o que eu queria, o que eu precisava.
Meu Deus, QUEM EU QUERIA ENGANAR?
Eu sentia falta era da Sandra e de quem ela me fazia ser.

Levantei correndo do banco e corri na direção do prédio da Bruna. Apertei o botão do elevador, mas os dez segundos de coragem iriam passar se eu esperasse o elevador descer, então corri pra escadas e subi mais ou menos doze andares, corri como se eu fugisse da polícia. Bons tempos...
Bati na porta com certas pressa, Bruna abriu e cerrou os olhos na minha direção, como se não tivesse entendido o que eu disse há horas atrás.

- O que você esqueceu?

- Bruna... Eu preciso falar com a sua mãe.

Apenas sentei o vento da porta batendo na minha cara. Como assim?!
A porta se abriu devagar dessa vez e não por completa, não conseguia mais ver o semblante de Bruna.

- Não posso fazer nada por você, Felipe. - seu tom mudou. - Ela tá feliz, sabia?

- Não... Ela não tá. - murmurei. - Ela tá igual eu. Tampando o Sol com a paneira. - empurrei a porta devagar, até conseguir ver ela. - Eu liguei pra ela várias e várias vezes... Eu penso nela. Eu sei que ela pensa em mim, não é possível que eu esteja errado.

Bruna encarava o chão brilhante daquele apartamento como se estivesse em transe.

- Eu vou ver o que eu faço por você mas não prometo nada se ela não quiser. - finalmente voltou a me olhar.

- Tudo bem... Apartamento 33, igual o seu. - eu ainda murmurava.

Esperei a porta se fechar pra poder ir embora.
Eu quase sentia um arrependimento de ter vindo aqui mas tentei não deixar isso ser maior que eu.
Apertei o botão pro elevador subir e enquanto isso me encarava no espelho enorme, eu estava tão diferente, mais velho, mais cansado... Será que Sandra iria me reconhecer se me visse?
O elevador se abriu em um click, com aquele som clichê que todos tem.
Quando desviei o olhar do espelho, pronto pra entrar no elevador, um casal vinha saindo. Era ela.

Minhas mãos imediatamente se molharam e meu coração parecia que ia sair correndo de mim. Pude notar seu sentimento recíproco, era como se eu fosse uma miragem e ela tentava firmar os olhos em mim, até parecia que a pressão dela tinha caído. Ela parecia querer falar alguma coisa, nem que fosse pra me xingar, eu conseguia ver o esforço que seu corpo fazia pra continuar de pé.
Aqueles segundos pareciam longas horas até que seu namorado puxou sua mão, como se fosse um alerta de que o elevador já tinha parado.
Eles passaram por mim como se eu não estivesse lá, Sandra olhou pra trás algumas vezes e eu continuei encarando ela até que sumissem do corredor.
Ela estava tão diferente quanto eu, talvez fosse o cabelo escuro... Talvez fossem as marcas da vida, não sei mas tinha algo estraho na gente.

Antes que o elevador pudesse se fechar, coloquei a mão no meio e ele se abriu novamente, esperei alguns segundos antes de entrar, como se ela fosse voltar correndo e pular nos meus braços mas não aconteceu...
Entrei no quadrado metálico vazio, novamente eram só os espelhos e eu.
Fiquei lá me encarando até descer todos os andares e depois subir novamente pro meu quarto.
Escorei na porta da sala por uns segundos, tentando assimilar o que tinha acontecido ali mas foi a coisa mais aleatória que podia ter acontecido nessa viagem, eu ser visto assim por ela.
Olhei as horas no relógio de parede, eram quase meio dia, não tinha me dando conta do baita tempo que passou.

Caminhei devagar até a cozinha, abri a geladeira e encarei a mesma, tinha muita coisa mas parecia não ter nada pra comer. Não sei se era essa a fome que eu estava... Na verdade, acredito que ela tenha ficado lá no elevador do outro condomínio.
Peguei uma maçã na fruteira, lavei a mesma e mordi, enquanto comia observava as pessoinhas pequenas na praia. O sol chegou com tudo, aquela vista quase me fez esquecer o que tinha acontecido mas a realidade é que eu não tirava a Sandra da minha cabeça, eu nem consegui notar o cara que tava com ela, não sei nem a cor da camisa. Só pensava naquele olhar dela, pela primeira vez na vida a delegada parecia surpresa ao me ver.

A campainha tocou, engoli a maçã no seco, passou rasgando por cada centímetro da minha garganta. Ao passar pela sala, deixei a maçã em cima da pequena mesa de centro, andei até a porta tão depressa que não fui capaz de olhar antes no olho mágico.
Segurei a maçaneta dourada e girei, quando a porta se abriu completamente, vi aquela mulher.
Só me ver, pude notar sua garganta engolir a saliva, como se ela visse um fantasma bem na sua frente, como se ela não tivesse acreditado no que viu no elevador.
Novamente, meu coração estava acelerado e a única coisa que passava pela minha cabeça, era Camila, quando encarei a aliança no meu dedo.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Sandra pulou no meu pescoço e me apertou tão forte que meus ombros pesaram, senti sua respiração ofegante encontrar meu cangote e deixei me levar pela saudade, abraçando de volta.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde histórias criam vida. Descubra agora