EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)

73 - Luz

A primeira noite foi insuportável e nenhum sinal da Camila e também, não fui capaz de avisar pra Sandra que eu já estava de volta na cidadezinha.
Dormi mal, tive insônia, não sei exatamente o motivo de toda esse meu remorso, sempre soube que fui melhor sozinho. Mais prático e mais ágil. Eu devia mesmo ter deixado assim e nem correr atrás de nenhuma das duas, acho mesmo que eu não preciso disso e nem elas.
Segui os dias trabalhando normalmente na barbearia, nenhuma novidade e eu já não aguentava mais dormir em um hotel, a conta estava começando a ficar um pouco cara.

- Alô? - seu tom de voz era normal, ela ainda não sabia quem era, já que liguei de um número que não era meu.

- Camila, eu tô te ligando pra avisar que tô indo embora, já que a gente não se fala. - ela com certeza mudou sua expressão. - É que essa situação não faz mais sentido... Já se passaram quase um mês e você ainda não veio com o divórcio, não sei se devo ir atrás ou esperar você.

- Os papéis estão comigo, Felipe. - silêncio. - Eu só tô tomando coragem pra ver sua cara.

- Então toma logo, eu não posso esperar mais. - o que isso, voltei a ser o Playboy?

Ela só desligou a ligação e retornou uma mensagem objetiva e simples.

"Não me ligue mais!"

Tudo bem... Era só o que eu precisava saber.
Camila era incrível, me ajudou muito a superar toda essa loucura que foi minha vida, posso dizer em paz que ela me ajudou a ser melhor mas Sandra... Ela era meu karma. Meu maior medo de voltar pro RJ seria esse, encontrar ela. No fundo, eu sabia que nossos encontros sempre dariam em confusão, esse era nosso sobrenome. Infelizmente...

Naquela noite, após o serviço, voltei pra casa e terminei de arrumar algumas coisas minhas, muitas malas foram feitas, achei que nunca mais fosse sair daquela casa.
Ela não estava lá e tratei de ser breve pra evitar o contato, já que ela ordenou uma certa distância nossa.
Peguei o restante do dinheiro, o cordão da minha mãe, uns documentos e o restante das roupas. Deixei em cima da mesa da cozinha a minha aliança e ao sair, tranquei a porta e coloquei a chave do apartamento por debaixo da porta.
Tive a ajuda do TH pra sair com todas aquelas malas.
No dia seguinte, vendi minha moto pro primeiro estacionamento que comprou e meu carro, me livrei de tudo aquilo que me prendia naquela cidade. Antes do almoço, recebi a ligação do advogado e tratei de assinar o divórcio de pressa, deixei claro que o apartamento quitado era dela e assim, ficou registrado na minha certidão "divorciado" até um próximo casamento...

- É, acho que tá tudo resolvido, TH. - ele concordou com a cabeça enquanto eu tragava o cigarro.

- E a barbearia, Felipe? O que vai acontecer? Vou ficar sem emprego?

- Não, nunca. Você é gerente agora, melhor... Se alguém perguntar, você é dono. Ninguém precisa saber do nosso vínculo. Você vai tocar isso aqui e vai me mandando o dinheiro, quando der o valor da barbearia, ela vai ser sua mesmo. Eu assino os papéis. Vamos deixar combinado...

- Ah, mentira? - me olhou espantado. - Você vai mesmo fazer isso? - dava pra ver a emoção na sua voz.

- Claro! - eu ri da carinha dele. - Você é o melhor barbeiro da região, isso aqui nunca foi pra mim... Não é minha vida, TH. Eu só precisava testar.

TH me abraçou, não se importava com o cheiro de nicotina, tentei devolver na mesma intensidade.

- Felipe, sem palavras... Tá maluco...

- Fica suave, irmão. Tamo aí, vai que um dia eu preciso de você. - sorri sem deixar meus dentes aparecerem.

Nossa despedida foi rápida, não demorou muito pra que eu entrasse no ônibus e encarasse minha nova vida, ou antiga.
A realidade é que eu estava tão confortável e confiante com isso que me assustei.
Imediatamente me lembrei de quando era um moleque vagando aquele morro sem rumo algum, subindo e descendo a ladeira várias vezes a mando do Patrick.
A única coisa que eu tinha medo da minha vida antiga, era ser pior do eu fui. E pensando bem, eu nem tinha sido tão ruim assim...
O ônibus acendeu as luzes e deu partida, meu peito quase explodiu com o acelerar do coração mas só respirei fundo e foquei pra não ter aquelas estranhas crises de ansiedade.

"Ah mas você vai embora sem olhar pra trás? Vai deixar a Camila?"

Essa voz ecoava na minha cabeça sem parar.
Só que não era bem assim... Eu errei, como fiz com todas, errei com a pessoa certa que não merecia metade. Ela era uma garota do interior que tinha sonhos, metas e muito amor pra dar e eu, era o garoto da cidade, cansado de viver e pronto pra viver. A verdade, é que a gente não combinava fora da cama... A gente não funcionava tanto como eu pensava que funcionaria e tá tudo bem arriscar.

Foram doze horas de viagem de volta pro RJ e o mais estranho era pensar que ninguém, absolutamente NINGUÉM me esperava lá.
Talvez, isso fosse um ótimo sinal, fosse um ótimo recomeço pra mim.
Passei o tempo inteiro exigindo uma vida boa pro Felipe mas tá na hora de querer uma vida nova pro Playboy, tava na hora de tentar ser luz.

Ou escuridão completa.