36 - Era 8 ou 80

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É lógico que ainda tinha bagulho pra resolver...
Eu já não dormia, cochilava durante as noites e qualquer barulho me tirava o sono.
As vezes a Bruna mandava mensagem perguntando se eu tava bem, nossa última conversa foi um aviso.

"mano, fica esperto... minha mãe tá vidrada em te procurar, pqp"
Bruna

Aquela mensagem não saía da minha cabeça, eu ficava martelando aquilo e qualquer abordagem me deixava tenso, já que a gente nunca sabe o dia da nossa querida morte.
Inexplicavelmente, aquele dia estava maravilhoso, minha tia tinha ido no culto cedo e, pela falta de sono, eu estava de pé as oito da manhã.

- CG, tá onde, viado? - anunciei no radin.

- Boa, Playboy. - pausou por alguns segundos. - Aquelas fitas, acordei agora.

- Vai lá no barraco, precisamos trocar um papo sério. - terminei de pentear o cabelo.

- Marca um dez, já to subindo. - desligamos.

Eu tinha uma ideia do que fazer com o CG e tirar toda essa tensão de mim. Precisava de um tempo longe daqui e pela falta de ter pra onde ir, foram surgindo ideias bestas mas com bons fundamentos.
O tempo tinha esfriado um pouco naquela manhã, coloquei meu melhor conjunto quentinho e subi para o antigo barraco do Patrick.
Estava calmo, sossegado demais e isso me deixava aflito já que meu sobrenome era "bagunça", mesmo assim esperei ansioso pela chegada do CG.

- Boa chefe! - fez cara de quem tava reclamando do frio e do horário.

- Eu tenho um bagulho pra você, CG. - ele curvou as sobrancelhas enquanto eu o olhava com empolgação.

- Na última vez que me olharam assim eu fiz um filho... - ele riu.

- Nesse caso, parabéns. Você é o novo paizão do morro, Carlos.

Ele não sabia qual cara fazer, aliás eu não sabia se era de felicidade ou de tristeza. A vida do CG não era lá grandes coisas, eu nem sabia que ele tinha filho (ou filha) vai saber... A real é que eu não queria mais essa responsá, tava cansado de carregar esse fardo... E também, pesado demais!
Não me programei pra ser frente do morro aos dezessete e aposto que nem o CG aos vinte e cinco.

- Tá zoando, né? - ele riu.

- Não to não, mano. - apertei o ombro dele. - Você tem mais peito que eu nessa.

- E o Rato, Playboy? - seu olhar pareceu perdido.

- CG, eu tenho certeza que ele vai ficar do seu lado independente de qualquer fita. Confia em mim, nós é farinha do mesmo saco, nós ta junto nisso até o talo.

- Eu nem acredito nisso... - finalmente um sorriso. - Vamo comemorar então, caralho!

Pronto, agora eu conseguia atrasar mais um pouco a delegada filha da puta. Eu já nem sei mais o que sinto por ela, tudo ficou bagunçado depois dos últimos encontros.
Na real, pensar na delegada me fazia pensar na Natacha e no fim, isso não me levava a lugar nenhuma.

- Organiza hoje um evento lá no centro comunitário, vamo passar tudo pro teu nome. - sorri de lado.

Eis ali. Carlos, querido CG...
Meu primeiro monstro.

Os bandidos fizeram a associação ficar pequena, logo lembrei daquele fatídico dia da morte do Gentil.
Ainda doía certas lembranças...
Mas precisava manter o foco e entender que aquele ali não era o momento.
O mundo parou quando vi Natacha adentrar naquele espaço, como se já não bastasse que o frio do tempo parece minha emoções, e vê-la me fez esquentar.

- Eu já volto. - acenei com a cabeça na direção dela. Rato entendeu o recado e consentiu com as sobrancelhas arqueadas.

A real é que o Rato ficou muito mais feliz do que o CG, eu fiquei mais tranquilo em saber que estávamos em paz. Agora o cargo dos dois era supimpa e eu voltava a ser um ninguém, por enquanto.
O som alto, churrasco e varias outras gostosas por ai, tiraram a atenção da Natacha, apagaram aquele brilho que ela tem, geralmente só eu vejo esse brilho nela...

- Já pode vazar daqui. - peguei no braço dela e arrastei pra fora, ninguém nem notou. - Esqueceu da ordem? Você e eu no mesmo espaço não vai rolar.

- Eu vim aqui falar com o CG. - a marrenta puxou seu braço da minha mão.

- Fala com ele lá na casa dele, já é? - travei o maxilar.

Simplesmente a deixei estagnada lá e avisei pro restante dos moleques que a Natacha não era bem-vinda ali.
Rato me olhava aflito, ele sabia muito bem que daquele ninho ainda saia ovo.

- Ta tentando resolver tudo... - esticou um copo de uísque pra mim. - Mas tu tá todo tenso, Playboy.

- Nem me fala... - bebi um gole pra adoçar a vida.

- Mano, eu sei o que tu tá querendo fazer. - ele me encarou. - Só não mata o CG nessa tua guerrinha, ele não tem nada a ver.

- Rato, a gente tá enfiado nisso até o pescoço. - falei em um tom grosso. - Não me ensina a fazer fita certa. Eu sei muito bem o que eu tô fazendo.

O silêncio reinou. Rato apenas se virou e foi em direção a mesa dos crias.
Eu sei que ele entende o que to fazendo, no fundo até o CG sabe o que tá rolando... Mas qual é, eu não quero ter outro Patrick vindo me dizer o que era certo e o que era errado. Agora foda-se, eu sou criado e já sei muito bem o que fazer.
Aliás, não quer ser bandido pede pra descer, tá aqui na linha de frente já serve pra morrer.
Playground que é lugar de vacilão.
Assoviei em cima da cadeira, chamando a atenção de todos, acenei para que o som abaixasse.
Novamente, os olhares eram meus.

- Rapaziada... - sorri em silêncio. - O novo frente da favela é nosso irmão, CG. Palmas pra ele! - e assim aconteceu em uníssono.

- Agradece, paizão! - CG fez um "paz e amor" com os dedos.

- Agora as ordens são deles e soldado bom, é soldado fiel.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde histórias criam vida. Descubra agora