2 - Show do estacionamento

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— Você veio!

Lu fez menção de vir me abraçar, mas acho que minha expressão corporal a impediu de se mover mais do que dois centímetros. Voltou a se ajeitar no capô do carro, se escorando com as mãos para trás.

— É. Eu vim. – respondi feito um robô.

Feito um robô. Puta merda, o que estava dando em mim? Eu precisava relaxar, precisava distensionar meus músculos, porque nem a pau eu me dignaria a demonstrar vulnerabilidade e insegurança pra aquela criatura, depois de tudo.

Tombei a cabeça para o lado, esperando que ela entendesse o gesto como curiosidade, impaciência ou simplesmente um “você não me intimida”.

— Quanto tempo faz desde a última vez que nos vimos pessoalmente? – Lu estava tentando quebrar o clima entre a gente – Uns três anos?

— Cinco.

Que patética, ela sabia disso. Fingir que não sabia que não me via desde aquele dia fatídico era prepotente demais até pra ela.

— Verdade. – sorriu de lado – Eu tenho andando num turbilhão de compromissos tão grande que às vezes perco a noção de quanto tempo estou nessa.

Isso! Esfrega mesmo na minha cara!

— Como tem andado sua vida, Vicky? – ela continuou.

— Victória. – a corrigi – Prefiro que me chame dessa forma, se não for pedir muito.

O sorriso simpático que ela tentava sustentar, vacilou. Mas ela logo se recuperou e lá estava aquele sorriso ensaiado novamente.

Acho que ela não conseguia mais sair do personagem.

— Como tem andado sua vida, Victória?

— Bem.

Mentira.

— Tem trabalhado muito? Eu não tenho visto seu nome por aí faz um tempo.

— Nem veria. Não no mainstream. Não sou boa suficiente pra artistas estourados, você sabe.

— Sei que isso é mentira. E acho um desperdício que você ainda esteja se limitando ao mercado independente.

— Estou bem satisfeita nele.

Outra mentira.

Não era por falta de trabalho, era por falta de grana. O mercado independente é maravilhoso, criativo, fresco, mas o nível de investimento dos artistas não era suficiente pra uma compositora pagar um aluguel decente na Capital.

E fora da Capital ficava difícil trabalhar.

Era um círculo vicioso. Um ciclo que eu já vivia há sete anos, desde que eu e Lu nos mudamos para cá em busca do nosso sonho de viver de música. Juntas.

Bem, ela fez o que achou preciso pra conseguir o sonho dela, eu tentei adaptar as exigências dentro dos meus limites como ser humano. Já sabemos quem ganhou esse jogo.

Ela tinha a grana, a fama e eu estava cansada.

Mas não diria isso a ela.

— Está trabalhando com alguém atualmente? – ela continuou sem se abalar.

— Estou avaliando uns convites para alguns campings, mas tenho me dado uma folga.

Uma folga forçada pelo meu cansaço, desanimo com o mercado e baixa estima. A verdade é que eu não andava tendo muita inspiração ultimamente e os dois últimos campings de composição em que participei, colaborei muito pouco com as ideias. Eu estava num momento de cair na real de que talento não pagava as contas.

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