27 - As fases da fossa

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Olá, escuridão, minha velha amiga!

Meu Deus! Por que dói tanto? Não era pra doer assim, a decisão havia sido minha. Eu sabia que tinha que ser assim, o difícil era convencer meu coração.

Quantos dias eu estava em casa, trancada naquele quarto escuro, ouvindo músicas aleatórias que só faziam aumentar a minha angústia, minha saudade, minha solidão? Dez, doze, quinze?

Eu já havia perdido as contas. Desde que Luiza saiu daqui pela última vez, eu não saio mais desse apartamento. Estou apenas existindo na minha dor, e na maior parte do tempo, luto para não sair da embriaguez.

Meu telefone só servia para reproduzir o Spotify. Finalmente me rendi e ativei o modo Não Perturbe. Eu não estava atendendo chamadas, não estava lendo mensagens, não estava olhando as redes sociais. Nada me importava mais, além da necessidade de fazer aquela dor passar.

Estava vivendo do pequeno bar que eu tinha em casa e sanduíches de salada.
Sanduíches de salada me lembravam Luiza.

Ai meu Deus! Por que tem que doer desse jeito?

As lágrimas escorriam pelas laterais do meu rosto, de forma involuntária. Uma onda de pensamentos se misturavam em minha cabeça, externada pelo meu soluço baixo, esganado, temendo que meus vizinhos me ouvissem.

Além da dor da decisão, uma sensação de impotência quanto à tudo que estava entre nós. Como é que eu pude cair nesse buraco de novo? Eu sempre soube que ela era dessa forma! Por que ela não admitia o que havia feito, pelo menos para eu ter mais um forte motivo para odiá-la?

Por que eu não conseguia odiá-la?

Eu tinha todos os motivos pra isso. Todos! Por que apesar da minha lógica me dizer que foi melhor assim, meu coração partido não conseguia aceitar e rasgava meu peito clamando por ela?

Uma verso de uma dupla sertaneja raiz, ecoava no alto-falante do meu telefone.
Eu nem gosto de sertanejo. Mas ultimamente, desde que terminei com ela, todas essas letras de corno, sôfregas, chorosas, começaram a fazer todo o sentido do mundo pra mim.

Minha cabeça cansada doía com minha tentativa de sufocar o meu choro. Eu precisava entorpecer meus sentimentos.

Respirei fundo algumas vezes, acalmei meu choro, virei na cama e me sentei no escuro. Não me importei com meus chinelos, saí arrastando meus pés para fora do quarto, em busca do que havia restado do meu pequeno bar.

A iluminação diurna da sala fez minha vista arder, até se acostumar. Me arrastei até a cozinha e abri o pequeno armário que ficava em sua entrada.

Havia uma coleção de garrafas largadas de qualquer jeito, num local que já havia sido bem organizado, todas elas vazias.
Eu estava bebendo demais.

Nunca tive um problema em controlar minha bebida, mas sempre que eu resolvia beber, era para exagerar. No entanto, estar nessa onda há duas semanas havia acabado com qualquer gota de álcool nessa casa.

Gemi, balançando as garrafas como uma viciada, à procura de um pingo de sua droga. Eu não queria ter que pensar em me arrumar e ter que sair daquela casa para comprar mais birita. Eu não queria ter que lidar com nada que respirasse, por enquanto.

Achei uma garrafa de vidro preto perdida no meio das vazias. Estava cheia e lacrada.

Oh, sorte!

Olhei seu rótulo e lembrei o motivo dela estar tão intacta. Era um presente de Hugo Santos. O baixista do Anjos Caídos tinha como hobbie fabricar o próprio uísque, e vez ou outra, presenteava alguém de quem gostasse bastante com uma de suas edições especiais.

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