28 - Gatilho

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— Então, você começou com a Lari Gaspardi, ou com a Lu?

Tirei os olhos das anotações no meu telefone quando senti meu corpo ressaltar, pela menção do nome dela.

À minha frente, um marombeiro usando chapéu de cowboy e calça apertada. Seu nome artístico era Rod Boiadeiro, mas por ali, toda a sua equipe o chamava de Diguinho.

Por que eles têm que ser todos iguais?

Cantores sertanejos pareciam surgir na mídia direto de uma linha de produção. De qualquer forma, eu estava surpresa que aquele ali conhecesse qualquer nome fora da bolha de agroboys fabricados ao qual ele pertencia.

— Com a Lu. – respondi, sentindo um comichão na boca do estômago.

Voltei minha atenção às anotações, antes que ele fizesse mais perguntas.

— Olha, eu acho que podemos dar uma ajeitada nessa frase aqui. – prossegui, mostrando o trecho na minha tela.

— Ela é boa, né? Tem um vozeirão!

Ergui meus olhos para o sujeito.

Aquele não era o meu primeiro trabalho no meio, passei o fim de ano inteiro pulando de camping em camping nos intervalos das festas, e estava usando meu feriado de carnaval para tentar dar um novo hit para aquele ali.

Já era estranho que ele preferisse estar enfiado naquela chácara com mais três de nós, ao invés de viajando de folga para alguma praia, para curtir a folia. Mais estranho ainda era que ele se importasse em puxar papo com a gente que não fosse sobre a música.

Os outros artistas do meio com quem tive contato, mal apareciam nas reuniões de escrita e quando iam, nem olhavam pras nossas caras, passavam o tempo todo com óculos escuros na cara e fazendo post para redes sociais.

Mas Rod – Diguinho para os chegados – estava sempre desviando do foco e perguntando sobre a gente. Eu só gostaria que ele não perguntasse tanto sobre a minha ex.

Fazia dois meses desde a última vez que a vi, que toquei no seu nome, que tive qualquer contato com sua obra. Eu estava mantendo distância e passando bem longe de seu círculo propositalmente.

Desativei todas as minhas redes sociais para evitar ver notícias ou posts dela tragos pelos algoritmos e criei contas fakes onde eu só via vídeos de bichinhos fofinhos e tombos engraçados.

Ainda que eu conseguisse evitar seu nome ou imagem nas minhas timelines, no ambiente profissional eram outros quinhentos. Sempre que alguma equipe me contatava, o nome de Lu era citado de alguma forma, ou como recomendação, ou como referência de trabalho.

E eu sempre tinha a mesma reação física incontrolável: a carne ressaltando, os músculos travando e o coração disparando pela ansiedade.

Não tinha o que fazer quanto a esses momentos, eu simplesmente os aceitava com um sorriso amarelo. O que eu não esperava era que dessa vez, a menção de seu nome se desse por um artista sertanejo que não tinha a menor cara de ouvir pop, R&B ou qualquer variação de gêneros urbanos. 

— É. Ela é incrível. – respondi, voltei minha atenção à letra escrita no telefone – Sobre isso aqui. Eu posso testar algumas variações diferentes dessa frase? O que acha?

Rod se inclinou para olhar.

— Eu gosto de como soa.

— Soa desconcertado.

— É pra soar assim mesmo. Na minha cabeça, é como é.

Dei de ombros. A vontade é do freguês.

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