5 - Desse jeito não dá pra trabalhar

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Trabalhar sob pressão nunca foi o meu forte, mas era algo com o qual me acostumei em minha profissão.

Campings eram feitos dessa forma: um grupo de compositores eram colocados em salas, divididos em grupos, com uma temática e um tempo para escrever. Mas escrever quando se tinha um empresário, uma produtora e um produtor musical dando pitaco em toda ideia que você tinha, isso sim era um pé no saco.

Eu estava há uma hora olhando para o bloco de notas do meu telefone, sem sair do lugar.

Lu havia sugerido que trabalhássemos nas músicas em ordem cronológica, assim começaríamos de um tema mais simples – o dia em que sua mãe a pegou cantando Adele em seu quarto e disse que ela tinha talento e seria uma grande cantora – mas Renan e Débora tinham o próprio consenso de que os singles deveriam sair em ordem de lançamento.

O dançante falava do dia em que nos conhecemos.

Fazia uma semana que estávamos debruçadas sobre aquela letra e não estava ficando bom. Não estava nem perto disso. Tínhamos um beat já pronto para trabalhar em cima, um arranjo completo feito pelo Calí. Luiza tinha soltado algumas frases, dado algumas ideias que eu tentava encaixar.

Uma semana. Mal tínhamos um refrão.

— E se substituirmos Quero deslizar em seus versos, por Quero ver qual é a sua? – Renan sugeriu, sentado em um canto da sala.

— Aí teríamos que trocar todas as rimas terminadas com a fonética esso, para ua. – Calí respondeu – Ou nada ornaria com nada.

Dei um suspiro longo, deixando o telefone de lado.

— Então troca. – Débora ordenou – Desde que o sentido da coisa ainda esteja lá, não tem problema.

— Não! – Lu se intrometeu – Eu gosto desse refrão! Ele é poético.

— Poético demais. O público não vai entender. – Débora argumentou – Você canta pra um público de dezesseis a vinte e quatro anos, precisa ser mais direta e literal.

— Aos dezesseis, nós duas entenderíamos isso. – argumentei, a encarando.

Débora me encarou de volta, com uma expressão mal disfarçada de impaciência.

— Isso foi há uma década atrás. Os tempos mudaram. Precisamos de um refrão fácil e chiclete, essa música tem que colar na cabeça dos ouvintes. – seu tom era de imposição.

— Ela tá certa. – Calí concordou.

Olhei para Lu, buscando ajuda. Ela estava quieta, olhando a tela do telefone.

Esfreguei o rosto com as duas mãos, afastando meus cabelos para trás.

— Eu preciso de uma pausa. – anunciei e me levantei, saindo da sala.

Uma semana e eu já queria fugir pras colinas.

Caminhei pelo corredor até o bebedouro, encostei na parede ao lado e levei um tempo ali, de olhos fechados, sentindo-os arder com o estresse e o cansaço.

O arrependimento me batendo.

Uma semana foi o suficiente para transformar a coragem de Lu em condescendência com aqueles dois, exatamente como há cinco anos atrás. O universo deveria estar usando aquela experiência para me dar uma lição, me mostrando que eu não tinha mesmo garra pra me encaixar no mainstream, onde o dinheiro realmente rolava.

Ouvi passos.

Abri os olhos à tempo de ver Luiza se aproximando, as mãos enterradas nos bolsos do casaco de veludo que usava – mais estilosa do que quente e confortável.

— Não consigo fazer isso. – admiti antes que ela dissesse alguma coisa. – Nem nos meus piores momentos eu levei tanto tempo para escrever uma música.

— A gente ainda tem muito tempo, só relaxa, uma hora vai fluir.

— Não vai fluir, Ana Luiza, você sabe disso. – neguei com a cabeça. – Eu não funciono assim. Faz desse jeito, escreve daquele jeito. Essa música já tá pronta, eles só querem que a gente coloque palavras-chaves comuns ali e você faça uma dancinha no videoclipe pra bombar na internet. Como tudo o que você tem feito.

Lu me encarou com as sobrancelhas franzidas, quase ofendida.

— Tô vendo que você realmente escutou todos os meus discos já lançados. – ironizou.

— Eu escutei o melhor deles, uns cinco anos atrás. Uma pena que ele desapareceu. Depois disso, a AnaLu trocou de nome e nunca mais fez nada decente. – devolvi a ironia.

Mexi em um vespeiro, eu sabia disso. Um defeito do passado que eu me lembrava bem, era o quanto ela amava debochar quando era atacada, mas detestava receber esse deboche de volta. Provavelmente, eu levaria uma enxurrada de respostas mal criadas pra terminar com a minha semana de vez.

Não veio.

Ao invés disso, Luiza continuou me encarando, imóvel. Piscou algumas vezes e por fim, disse:

— Tive uma ideia.

Ok, talvez ela tivesse guardando os insultos para um momento mais oportuno em que ela não achasse que teria que me convencer a voltar para aquela sala, porque o dela estava na reta.

— Estou ouvindo. – respondi.

— Eu tenho um estúdio particular. Podemos levar o Bingo, que eu sei que não vai se meter no nosso processo, e terminar essa música lá. Nós duas. O que acha?

Acho uma péssima ideia.

— Você que manda.

Eu não tinha dinheiro pra pagar um processo por quebra de contrato, mas achei interessante omitir isso, para ter alguma vantagem sobre ela.

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