XXIII

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Foram necessárias vinte e quatro horas para que a dinâmica da SoHo Dolls mudasse drasticamente. Ou melhor, para que fosse alterada drasticamente.

Era dia de pagamento e Roni estava mais desequilibrado e nervoso que o habitual, em um aviso subentendido para que ficássemos na nossa. Contudo, não fora suas taxas abusivas ou seu comportamento violento que nos surpreendera, mas sim a mala de viagem que ele carregava em uma mão ao entrar pela sala e todo conteúdo de uma bagagem mental que ele despejara em nós, em menos de dez minutos.

A partir daquele dia, tudo iria aumentar por ali: o valor dos programas, o valor pelo quarto, o valor das bebidas, o número de garotas, a porcentagem do nosso dinheiro que encheria seu bolso, o número de programas. Roni estava oficialmente implementando uma espécie de exploração mascarada sobre nossos corpos, não nos deixando escolhas a não ser acatar a tudo ao que nos era imposto.

Ele estava visivelmente perturbado e qualquer um que olhasse para ele, em especial naquela ocasião, afirmaria com tranquilidade que Roni era um maníaco foragido da polícia.

Inclusive eu. Inclusive Megg. Inclusive Cora.

Todas nós assistíamos atônitas ao despejar de suas ordens, não conseguindo disfarçar as feições de surpresa, confusão e receio em nossas faces.

Eu seria uma tola se dissesse que todo o meu ser não estava dominado de medo ou se simplesmente ignorasse meus instintos de sobrevivência que apitavam alto em minha cabeça. Porém, antes que pudesse pensar em juntar em uma bolsa mais do que uma troca de roupa, Roni já aparecia na porta de meu quarto exigindo satisfações sobre o que pretendia fazer.

Em menos de vinte e quatro horas Roni aparecera para instaurar um regime de programa em nós e não foram necessários três dias sequer para que as novas medidas surgissem efeito. Além de seguirmos abrindo a boate todas as noites, passamos a atender também durante o dia com hora marcada e, em especial no horário de almoço. E apenas isso fizera nosso trabalho triplicar. Era absurda a quantidade de homens que fugiam do expediente no horário do almoço para uma rapidinha e mais comum ainda aqueles que utilizavam do horário comercial para acobertarem-se para as esposas.

Os programas estavam ainda mais caros e naturalmente essa medida havia selecionado e atraído o nicho de clientes que Roni desejava: ricos e muito ricos. Homens que passaram a nos dar gorjetas exorbitantes e que sequer se importavam com o valor a ser pago para nós e pelo quarto usado. O salão da boate agora era enfeitado ainda mais pelos Armanis, Hugo Boss, Zegna e Gucci, por executivos em reuniões, por contatos e conhecidos de Roni do alto escalão que depositavam notas de cem nas alças de nossos sutiãs ou pendurados em nossas roubas de baixo, toda vez que passávamos por eles.

Era nojento. Degradante.

Eu odiava quem havia criado o bordão de que dinheiro não traz felicidade, pois desde a maior catástrofe que acontecera em minha vida e após tantos anos sofrendo pela falta dele, naquela semana eu tinha a prova em minhas mãos de que tal felizardo estava certo. Não que estivesse esbanjando rios de dinheiro em minhas mãos, mas apenas aquele significativo 'aumento de caixa' era o suficiente para me fazer refletir. Eu não consegui me lembrar quando fora a última vez que havia me sentido tão triste e desesperada como naqueles tempos, mesmo juntando uma quantia interessantíssima de dinheiro ao fim do dia.

Eu sentia falta de Vanda e de Marcos todo tempo. Apesar de meu amigo estar diariamente conosco devido ao seu papel de personal training, a presença constante de Roni não o permitia permanecer mais do que os tempos de suas aulas. Era grotesca e extremamente doloroso de ver a forma com que aquele homem tratava meu amigo simplesmente por conta de sua orientação sexual. Xingamentos, provocações e olhares tortos era pouco para o que Marcos precisava engolir e eu sabia que ele só estava por ali ainda para que pudéssemos nos ver. Felizmente, a merreca que Margareth lhe pagava poderia facilmente ser suprida caso ele decidisse dar as costas para aquele lugar, mas meu amigo insistia que só passaria pela porta para nunca mais retornar caso eu estivesse junto.

Soho Dolls - flaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora