XXXI

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Marcos e eu arrumamos minhas coisas em uma velocidade difícil de se acreditar. Nossos celulares não saiam de nossas vistas, atentos a qualquer notificação e novas mensagens, administrando os dois aparelhos e todas as roupas que precisavam ser enfiadas dentro de uma mala velha de alças. Embora Mitchell tivesse nos dito que Roni havia se encontrado por acaso com um amigo e que estava sentado à uma mesa enquanto bebia uísque e conversava animado com ele, parecendo que não sairia dali tão cedo, aquele era um risco que eu não estava disposta a correr. Ainda que a situação aparentasse que o cafetão tendia a não sair dali, facilmente eu conseguia imaginá-lo puxando duas garotas para se sentarem no colo desse tal amigo e então, em poucos minutos, ele saia da mesa para que as meninas levassem esse homem escada acima.

Era sempre assim que acontecia quando meu chefe se juntava a algum amigo ou conhecido na boate e, ao considerar que ele bebia enquanto conversava animado, como Mitchell mesmo havia dito, se ele me flagrasse, embriagado, arrumando minhas coisas para ir embora, sua reação possivelmente seria ainda pior.

Diferente de Vanda, tudo que havia adquirido naqueles anos e que era meu por direito foram colocados diretamente dentro da mala ou da frasqueira de viagem. Cada peça de roupa, lingeries, meias e meia-calças. Desde as mais provocativas e curtas, até aquelas que minha amiga havia deixado para trás antes de partir. Cada cosmético, perfume e maquiagem. Secador de cabelo, chapinha e babyliss. Tudo aquilo havia sido adquirido com o meu próprio dinheiro, sofrido e custoso de conseguir. Os porta retratos com nossas fotos já haviam sido guardados no momento em que Hayley e April chegaram ao meu quarto, para que elas tivessem mais espaço para guardar suas coisas e, fora essas coisas pessoais, nada mais me pertencia dali.

Ou melhor, além de carregar cada peça de roupa e meia sem par do armário, meu cobertor e travesseiros eram tão indispensáveis quanto, não apenas pelo valor monetário, mas principalmente porque eram as únicas coisas que fizeram com que eu me sentisse verdadeiramente em casa por ali. Por alguns momentos, o colchão em que dormia também passou a ser considerado a entrar no combo de coisas que eram minhas por direito, após eu ter substituído o colchonete que haviam me dado para dormir, contudo, olhar para a cama aramada onde Hayley dormia com algo que dificilmente poderia ser considerado um colchão, fizera a ideia de enfiar o que eu havia comprado há alguns anos dentro do carro de Marcos passar a soar absurda até mesmo em minha cabeça.

Era algo em torno de dez horas da noite quando Marcos colocou minhas coisas para dentro do porta malas do seu carro e dez e vinte quando nos despedimos com um abraço apertado, depois de termos arrumado a bagunça resultante do jantar na cozinha. No quarto havia ficado para trás apenas o necessário para que eu passasse as últimas horas naquele lugar, além de uma ansiedade imensurável que tomava cada vez mais conta do cômodo a cada hora que se arrastava.

***

"Meu último aluno atrasou para o início da aula, mas vou conseguir sair em dez minutos. Em trinta estarei aí. Me espere, ok?"

Foram as palavras do meu meu melhor amigo quando a hora no relógio se aproximava cada vez mais do horário que havíamos combinado. As minhas mãos tremiam enquanto segurava o celular e tentava digitar alguma resposta compreensível para ele, até que as três tentativas falhas me levassem a mandar dois emojis de "like" em concordância. Ainda que existisse a opção de lhe mandar uma mensagem de voz, eu tinha certeza de que o nó de nervosismo em minha garganta não permitiria que minha voz saísse com clareza.

Mal sabia Marcos que meus pés pareciam ter sido grudados no chão do quarto enquanto uma sensação desesperadora me fazia crer que o mundo estava prestes a se acabar em quatro minutos. E que possivelmente eu só conseguiria sair arrastada dali. As batidas aceleradas do meu coração era tudo que conseguia ouvir, alto e frenético, como se precisasse bater o mais depressa que conseguisse para fazer valer os próximos últimos minutos de funcionamento.

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