XXIV

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Marcelo Monteiro Bragança

Nova Iorque... a cidade que nunca dorme. Era ótimo estar ali depois de tanto tempo tentando negar minhas raízes. Manhattan. A grande selva de pedras. Era ótimo voltar para me lembrar dos motivos que me levaram a sair.

Não era raro me perguntarem por que diabos eu havia deixado tão jovem essa cidade, minha família, amigos e todo o conforto e luxo que poderia ter para ir morar em um país diferente e sem garantias. Não era uma pergunta fácil de se responder sem que eu precisasse entrar em méritos pessoais então acabava me limitando em retornar com outro questionamento: e por que não?

Porém, a realidade era que se eu continuasse ali, vivendo às custas de minha família e às sombras de um sobrenome, certamente eu não teria me tornado quem me tornei.

Eu precisava sair para me descobrir.
Eu precisava sair daquele mundo fútil em que vivia, conhecer uma realidade diferente e desligar um pouco da minha família. Eu e meus irmãos sempre havíamos tido tudo o que sempre quisemos e além do que precisávamos uma vez que, além de médicos, nossa família contava com uma vinícola de sucesso na Itália que nos rendia uma grande quantia de dólares em nossa conta bancária. Contudo, eu queria mais, precisava de mais. De coisas que o dinheiro e o comodismo não poderiam me dar.

De um lado meu irmão mais velho parecia ter todas as peças de seu quebra-cabeças montadas: casado com uma mulher incrível; com uma filha a caminho e uma carreira brilhante de médico que ele ansiava desde criança. No outro estava minha irmã mais nova, que os olhos brilhavam em cifrões ao ouvir a palavra dinheiro; cheia de ambição e decidida a ser uma arquiteta e urbanista de referência em Nova Iorque. Os dois sempre souberam o que queriam, o que faziam e o que eram enquanto a única certeza que eu tinha era que estava perdido. Eu me sentia deslocado, em um limbo entre seguir a vida com algo que seria mais fácil e confortável para mim ou simplesmente jogar tudo para o alto e adotar o papel de filho rebelde. Porém, nenhuma das duas opções me pareciam atraentes.

Não sabia ao certo quando ou como foi tomada a decisão de fazer gastronomia, ou quando decidi fazer um intercâmbio e quando o intercâmbio se tornou algo definitivo. Quando notei, já estava fazendo estágio em um restaurante cinco estrelas em Toronto, que me fez entrar em uma especialização em Quebec e que me levou a ser um chefe de cozinha mesmo sendo tão novo.

E, bem, eu amava cada detalhe de minha vida e o homem que eu havia me tornado.

Apesar de ter contado no início com o auxílio financeiro de minha mãe, a minha independência foi conquistada mais rápido que eu esperava e eu tinha orgulho de dizer que havia feito uma grana fodida com a minha carreira. Porém, não era apenas isso que eu me orgulhava. Trabalhar em restaurantes, cursar gastronomia e viver em um país diferente - por mais cosmopolita e perto de casa que o Canadá pudesse ser-, havia me dado a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas com as mais diversas histórias de vida.

Ter me afastado me fizera perceber que a vida era mais que dinheiro, diferente do que minha irmã mais nova achava. Ou que Guilherme e Chloe não poderiam entrar nas estatísticas de "pais adolescentes/jovens" quando tinham um zilhão de privilégios e muito dinheiro em suas contas bancárias, que facilitavam em muito nessa jornada.

Eu finalmente havia compreendido meu espírito aventureiro e independente e, mais que nunca, estava ansioso para o próximo passo em minha vida. Ou melhor, em minha carreira. Entretanto, a minha vida era inteiramente sobre isso e eu não conseguia me arrepender por este fato.

Meu pai costumava a dizer que pessoas são complicadas e que ele havia sido extremamente afortunado em ter encontrado minha mãe pois, se não fosse ela, ninguém mais seria possível de estar em seu lugar. E, bem, eu entendia profundamente o que ele queria dizer quando afirmava a complicação das pessoas... fazia apenas dez dias que eu estava em Nova Iorque e minha família já estava acertando meus nervos em diferentes maneiras.

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