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Mariana Rodrigues
(Ainda na noite anterior)

Como de costume eu espero o Gabriel no final das escadas que dá acesso ao estacionamento, ele tá diferente do Gabriel que me encontrou lá em cima.

— Vamos? — Segura minha mão apertado, tanto que sinto a ponta dos meus dedos formigarem.

É óbvio que alguma coisa rolou lá em cima.

Silêncio.

Estamos presos num engarrafamento na saída do estádio. Sempre mencionamos de na próxima pegar alguma rota alternativa e sempre falhamos nessa missão.

— Tá tudo bem? — Me ouço perguntar com a perna balançando. Essa quietude toda me deixa ansiosa, com a sensação que fiz algo.

Ele só balança a cabeça negando.

— Não parece. Não sei se é o momento mas posso te perguntar uma coisa? — Não é o momento mas ele nunca me fala sobre nada, que pelo menos abra a boca pra me xingar.

— Pode — Me olha de canto e sua mão pousa na minha perna balançante na tentativa de me acalmar.

— Por que deixou a terapia? — Me viro no banco pra olhá-lo melhor.

— Tô só dando um tempo Mariana, acho que nem preciso mais ir — Os dedos tamborilam no voltante.

— Você se auto intitulou melhor? — Eu quero mencionar a tal garota mas não posso, que encrenca você tá se metendo dona Mariana.

Silêncio.

Acho que ele decidiu que a partir do momento que me respondesse eu não iria mais parar de confrontar e expor todos os motivos e como ele tá errado quanto a isso.

Poxa mas não posso ficar anulando a pessoa falante e os sentimentos que fazem eu ser quem sou.

— Porque você não fala comigo?

— A gente se fala Mari, sobre tudo — Ele respira fundo como quem soubesse onde tudo isso vai dar.

— Não falamos não. Eu falo a maior parte do tempo, sobre tudo e você fala sobre nada.

— Gosto de te ouvir.

— Não Gabriel, pra uma relação existir os dois precisam contribuir com sentimentos mútuos e pelo visto eu tô sentindo tudo sozinha — Solto a respiração.

— Mari, eu só não consigo ser assim, não posso ser fraco. Não dá pra eu demonstrar minhas fraquezas com tanta facilidade igual você faz.

— Então quer dizer que eu falar sobre o que eu sinto, sobre minhas mágoas ou minhas histórias frustradas me faz ser fraca? — Um nó se forma na minha garganta e eu queria estar em qualquer lugar agora, menos dentro desse carro.

— Não, não é isso. Eu só não sei falar entendeu e quando eu tento tudo sai ao contrário do que eu queria. Sempre usaram tudo o que eu senti contra mim e eu não consigo mais externar.

— Gabriel, você tá se ouvindo? Quem é que tava comigo todas essas semanas? — Eu o observo incrédula.

— Sou eu Mariana, eu estive com você.

— Não, não esteve não. Você vira agora pra mim e diz que usam o que você sente contra você mas porra, ainda não conviveu o suficiente comigo pra saber Gabriel que eu jamais faria isso? Caramba em...

Meus olhos lacrimejam e quando a primeira lágrima rola pelo meu rosto não sei mais como fazer pra segurar as outras.

— Não é tão fácil pra todo mundo como é pra você cara — Ele responde com um tom ríspido ainda sem perceber que me desfaço em lágrimas.

— Não Gabriel? E nós dois estamos fazendo o que então? Numa noite dorme comigo, pede pra que eu sempre fique e no outro dia não confia pra me contar nada? — Ele estaciona na frente do meu prédio, me encara e só agora percebe as lágrimas pelo meu rosto.

— Não disse que não confiava em você Mari, nunca.

— Mas é o que eu entendo todas as vezes que você sai e eu paro pra pensar que falo sozinha.

— Eu nunca quis que você se sentisse assim, não quero te magoar com todos os meus problemas e minhas crises ou toda a merda que tem acontecido comigo.

— Acho melhor isso parar por aqui. Eu e você. Não posso deixar de lado quem eu sou e sei que você não vai abrir mão do seu jeito, o fim é eu ou você sair machucado de tudo isso. É melhor assim, pra mim e... pra você — Enxugo minhas lágrimas e respiro fundo.

— Tudo bem — É a única coisa que sai da sua boca.

— Eu. Eu espero que você fique bem e volta pras sessões. Se não for fazer por você, faça por quem gosta de quem você é. Você é especial Gabriel e muito mais importante do que pode imaginar. Fica bem.

Antes que ele possa me responder eu saio do carro e fecho a porta sem olhar pra trás. As lágrimas tomam conta do meu rosto e eu não sei nem como enxergar os botões do elevador e chegar até a porta do meu apartamento.

Me sinto egoista mas também queria ser compreendida. Meu coração dói.

Não é como se eu não tivesse empatia por ele ou por tudo o que ele sente, eu sei que é um processo, que eu não posso pressionar ninguém. Sei também que não posso obrigar que aceitem o meu jeito, que sigam o que eu quero e falem o que eu quero.

Mas estar com alguém e sentir que ela não confia em você é muito doloroso, pelo menos pra mim. E tá tudo bem também me sentir assim.

Se não tivéssemos tido essa conversa hoje, acho que ela nunca aconteceria. Empurraríamos tudo sempre pra baixo de um tapete e viveríamos como se nada tivesse acontecido.

Nas últimas semanas eu fui mais feliz do que em boa parte da minha vida. Entrar no meu apartamento sozinha pós jogo já não é mais a mesma coisa, a cama amassada do lado dele e o meu arrumado parece faltar algo.

O fica que usamos um com o outro ecoa por essas paredes e meu coração dói. Dói porque são sentimentos demais por alguém que ainda é de menos comigo, que deve estar em dúvida quanto a tudo.

O sentimento de que eu arruinei com meu jeito de ser todos os relacionamentos que eu tive tomam conta de mim. Dói.

Mas uma vez eu prometi que não deixaria de lado nada por ninguém, mesmo a conta saindo mais cara do que eu esperava.

E pelo visto aqui estou eu, sozinha outra vez.

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Capítulo 1/3 da maratona

Estão preparadas?
Próximo capítulo é a visão dele e eu volto no finalzinho da tarde com o segundo.

Até logo 🫶🏼

Cartas para a minha garota | Gabriel Barbosa (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora