Interlúdio: Recomeço
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Todas as noites, assim que fechava os olhos, Karen era teletransportada para o mesmo local. De pé, em um enorme salão repleto de pessoas, encaradas nada sutis queimavam suas costas, sussurros invadiam seus ouvidos e uma voz rouca temia escapar de sua garganta, rogando por perdão, por outra chance, por esperança. A voz não saia, mas a dor presente em cada poro de seu corpo vazava e a dominava completamente. A Gaspar estava estática, encarando uma Rosalina em prantos, decepcionada e enfurecida. Um misto de emoções era visível no rosto da streamer, e ela as mostrava ao público sem receio.
Karen estremeceu quando Rosalina, chorando, lhe virou as costas. Suas últimas palavras ainda vibravam forte em seu cérebro e a cada novo soar um pedaço de seu coração era destroçado.
"Pelo menos agora eu sei que eu não posso mais confiar em você."
A cantora não pôde se mexer. Ela mal se virou. Algo colocava seus pés no chão e sufocava sua voz na garganta.
Nada foi dito. Nada foi feito.
Rosalina partiu.
Partiu de novo. E de novo. E de novo.
Infinitas vezes Karen viu os resultados de suas ações, de sua estupidez, de sua covardia e de seu medo. Ela os reprisou no cérebro como um disco arranhado que só toca a mesma música.
Torturante.
Era uma tortura completa, mas os pesadelos funcionavam como um purgatório para seus pecados e o inferno do qual ela fazia parte agora. Todas as noites Karen relembrava que, graças ao seu egoísmo, ela perdeu a única pessoa que amou, a garota cuja lhe ensinou que cores são bonitas, arco-íris são majestosos e algodão doce pode ser gostoso.
Para a Karen, Rosalina não somente lhe ensinou a amar, mas também lhe deu forças para conhecer o novo, enfrentar desafios pessoais e seguir em frente. A Hartmann foi um pilar que sustentou sua vida e a impediu de cair, mas o pilar rachou, tornou-se fraco e desmoronou. Ele soterrou Karen com seus escombros e manteve a Gaspar em uma prisão escura. Ali só havia mágoas, lamúria e uma quantidade avassaladora de arrependimento.
Era culpa dela. Obviamente era.
Ela não falou a verdade por medo, não foi atrás de Rosalina por medo e a abandonou por medo.
Não tão forte quanto aparentava, agora Karen era apenas uma mulher vazia, quebrada e desestabilizada. Mas acima de tudo, ela estava completamente amedrontada.
Quase duas semanas depois de deixar Castanheiras, Karen encostou a cabeça no travesseiro outra vez, esperando, repleta de uma ansiedade negativa, pelo pesadelo já decorado.
Naquela noite, a Gaspar voltou de seu primeiro show em Nova Iorque, e no dia seguinte já estaria preparada para embarcar no avião e partir para o próximo local. O combinado era aguentar os seis meses de turnê, e usá-la como motivo para esfriar a cabeça, conhecer novos ares e recuperar um pouco de sanidade.
Quando subiu no palco, entretanto, Karen não se sentiu uma cantora, tampouco uma artista. A voz saiu de sua garganta de forma robótica, e por mais que implorasse fervorosamente para seu cérebro funcionar normalmente, nada adiantava e seus olhos vagavam pela multidão de fãs procurando algo, alguém, ela. Rosalina não estava lá, nunca esteve, mas a Gaspar mantinha uma frágil, ignorante e estúpida esperança de que a Hartmann a veria. Era aquilo que a mantinha viva, de pé e cantando.
E então, o show acabou, ela foi elogiada, tirou fotos, cumprimentou fãs e fingiu estar bem quando lhe perguntaram sobre Rosalina. Obviamente todos já sabiam.
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Kalina: Romance Caótico
FanfictionKaren Gaspar tinha acabado de ter sua mais nova música estourando no Spotify, e é obrigada a sair com seus amigos para comemorar. E para piorar sua noite, a cantora em ascenção é descoberta por uma fã louca que desmaia ao vê-la. Na manhã seguinte, f...