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— Ah, decidimos sobre a festa — Noah diz na fila da lanchonete, hoje não teve lanche de casa. — A festa do casarão — ele percebe a minha cara de confusa —, a que o estávamos falando umas semanas atrás, que o pessoal se reúne na casa abandonada.

— Ah, lembrei! — só o sono para me fazer esquecer da festa que estou planejando ir com ele há dias. — Quando vai ser?

— Essa sexta. Você vai, né? — Pergunta com um sorriso simpático.

Então ele quer mesmo a minha presença?

— Vou sim — por mais que uma ideia de festa com bebida e possíveis drogas ainda me estremeça, eu quero ir nessa, ou melhor, quero ir com ele.

— Posso passar na sua casa para irmos juntos, se você quiser, claro? — sei que ele já havia oferecido, mas agora é oficial. Tudo bem que ele não falou nada sobre ser um encontro, porém, só de querer que eu vá com ele já é o suficiente para mim.

— Iria adorar — digo com um sorriso, me controlando para não parecer tão empolgada assim.

***

Para o jantar, resolvi preparar um espaguete, por mais que eu ame comer, não curto muito cozinhar. Associei cozinhar como uma necessidade e não um prazer. Porém, me senti inspirada hoje, vi que tinha um molho de tomate, espaguete e uns temperos, e me deu vontade de comê-los. Aqui na cidade não tem restaurante italiano popular, só pizzaria, e eu sinto muita saudade de comer massa.

— Não sabia que você cozinhava, definitivamente, não puxou para o nosso lado — minha vó fala assim que dá a primeira garfada.

— Eu cozinho, mas não é sempre que tenho vontade de cozinhar. Você gostou? — pergunto curiosa.

— Amei! Está uma delícia. Se sobrar posso levar para o plantão de hoje?

— Claro! 

— Quero me gabar com as minhas colegas.

Dou uma risada, gosto como ela me trata, não é forçada, é simplesmente o jeito dela.

— Bem, quando você vai trazer seu namorado aqui? Quero conhecê-lo — diz, me olhando com seu olhar pidão.

— Ele não é meu namorado — digo sem jeito.

Perguntei a ela hoje cedo se poderia ir em uma festa, falei também que iria com um garoto. Sinto que ela deixou só porque vou com um menino.

— Ainda — diz com um sorriso malicioso.

— Veremos, aí caso ele torne meu namorado, eu apresento vocês dois.

— Vou cobrar — diz tentando ser séria. — Você sabe que conheço todo mundo aqui, se ele fizer algo de ruim com você, eu mesma vou lá pessoalmente ...

— Vó — queria brigar, mas começo a rir. — Calma. Ele é legal e será só um encontro, pode ficar tranquila.

— Você não pensa em namorá-lo? — pergunta confusa.

— Não sei. Quero ir com calma — não quero criar muita expectativa, quero saber se ele é a fim de mim, até lá não quero me iludir, porém, já estou um pouco iludida.

— Sei que você nunca namorou e nem teve encontros, mas entrar em um relacionamento, mesmo que seja só um primeiro encontro, sem vontade de ter algo a mais, não é legal.

— Mas se eu quebrar a cara? — pergunto pensativa.

— Se esse for seu medo, você tem que entender que faz parte, mas para se quebrar algo, tem que ter algo, ninguém quebra aquilo que não se tem. Você sente algo a mais por ele?

— Talvez — digo confusa.

— Justifique — minha vó atiça.

— Nunca gostei de ninguém para saber exatamente o que sinto por ele, não tenho uma comparação. Mas, sei lá, ele é bonito, gosto do seu sorriso e gosto de como ele me trata. Na verdade, ele é tudo que sonhei em um garoto, ele parece ser o que eu preciso. — Gosto que ele possa me tirar da inviabilidade, mas sei que soará estranho dizer isso a ela.

Vejo no Noah os clichês dos garotos bonzinhos dos filmes de adolescente. Alguém que deixe uma relação leve, sem complicações. Foram tantas complicações na minha vida que sinto que ter alguém como ele, me fará melhor.

— Ei, ninguém precisa de homem — diz séria. — Nós, mulheres, que gostamos de homens, desejamos um homem, mas não precisamos de um. Por que você acha que precisa dele?

Eu, definitivamente, amo a minha avó.

— Sempre quis alguém que me tratasse como ele trata as pessoas: com carinho e atenção. Que se importa e que esteja presente, sabe? E que me tire um pouco da realidade.

A verdade é que sempre desejei os garotos bonzinhos das comédias românticas, e o Noah é exatamente eles, melhor até, porque ele é real.

— Bem, não se engane, esse seu desejo não é em homem, é dos seus pais, é o que você queria receber deles. Não importa se ele for o homem mais carinhoso e afetuoso da face da terra, você nunca estará satisfeita, porque não é dele que você precisa disso, é dos seus pais. Você só irá se iludir se pensar assim.

Absorvo cada palavra que ela me disse. Me sinto uma idiota de não ter percebido o óbvio. Porém, posso querer o carinho e atenção dele, assim como dos meus pais, não posso?

— Então ... eu não sei — minha cabeça dá um bug, eu achava que era isso que eu precisava de um garoto, mas, se não é, o que preciso? Ou melhor, o que eu quero? — Por que você está com o Louis? — Pergunto na esperança de entender.

— Talvez, se eu tivesse conhecido ele na sua idade, jamais daríamos certo, mas hoje ele é quase perfeito. Primeiro, ele cozinha, já me ganha só aí, mas ele é calmo, ao mesmo tempo, estressado, tem um ótimo humor, é compreensivo, ele entende meu lado agitada, meu positivismo exagerado e meus horários complicados de trabalho. O melhor é que temos nossas vidas, não dependemos um do outro. 

— Vocês meio que se complementam, né?

— Sim! Mas não quer dizer que somos opostos, temos visão de mundo muito parecidos, mas nosso modo de funcionar é diferente. Ele me dá a calma que tanto falta em mim e eu dou a energia que falta nele.

— Acho que vou descobrindo aos poucos o que tenho de sobra e o que falta em mim. 

— Vai, você é muito nova, tem muito tempo para entender o que você quer.

— Vó, como era meu avô? — me assusto com a minha própria pergunta.

Por mais que minha avó fosse um assunto quase proibido na minha casa, meu avô não era. Cresci com fotos dele e da minha mãe espalhados pela casa, com história dos lugares que meu avô levava minha mãe e de tudo que eles faziam juntos. De certo modo, meu avô foi mais presente na minha vida do que a minha avó, mesmo ele tendo falecido quando eu era bebê.

— Ah, o Senhor Jones — seu olhar muda assim que diz seu nome, um brilho melancólico toma conta —, esse sabia iluminar a vida de qualquer pessoa, melhor que isso, ele fazia você se achar a pessoa mais importante e especial do mundo. Porém, esse traço pode ser considerado um tanto perigoso, Billy fazia você acreditar fielmente que você é invencível, e quando ele se foi, levou todo o brilho e otimismo do mundo, não restou mais nada. De invencíveis, nos tornamos derrotadas. Demorei anos para voltar a ser, de fato, feliz. Todos os dias falho, mas sempre tento levar a vida com otimismo e bom humor como meu Billy levava a vida. Infelizmente, não acho que sua mãe superou a fase do luto, para uma filha, a dor é devastadora.

— Minha mãe o amava muito — só consigo dizer isso.

Essa era uma pergunta que sempre quis fazer: entender a versão da minha avó sobre o meu avô, a única pessoa que a minha mãe idolatra. As duas tem o mesmo brilho no olhar quando falam sobre o meu avô. Talvez a morte dele tenha causado a briga das duas, cada um vivendo um luto particular sem saber como consolar uma a outra. Mas isso é só um talvez, uma pergunta para outra hora. Agora, só um abraço para encerrar uma conversa que começou leve e terminou chorosa.

O Garoto da Casa ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora