~ 35 ~

39 8 0
                                    


No final da tarde, minha avó e Louis se encontram em uma constante e suave sintonia de roncos. Enquanto fico repassando tudo que o Travis me contou no começo da tarde. Foram falas pesadas demais para se deixar passar e seguir a vida. Ainda sinto um nó na garganta quando lembro de certos momentos.

Talvez o silêncio dessa casa esteja contribuindo para o caos da minha cabeça. Fazer uma caminhada pela cidade, tropeçar sem querer em uma sorveteria e pegar um sorvete com muita gordura e laticínio, é algo que eu e minha mente estamos precisando.

Já na porta, pronta para abri-la, ouço uma discussão abafada. Que provavelmente está acontecendo na casa do Travis. E que com certeza envolve ele e o Liam.

Como uma boa fofoqueira, encosto meu ouvido do lado da janela lateral para tentar ouvir melhor.

— ... nunca aceita! — Ouço só o final da frase do Liam.

— Nunca aceito o que eu não quero! Eu, Travis, não o que, você, Liam, quer! — Mesmo não o vendo, sinto pela sua voz o deboche, misturado com irritação e, claro, impaciência.

Travis não mentiu quando disse que não queria conversar com o Liam hoje.

— Não! Eu só quero o melhor para você! Mas você não entende.

— Você que não entende que, o que é melhor para mim, não é necessariamente o melhor para você. Entende de uma vez por todas que, o que desejo para mim e para o meu futuro, não é o que você deseja, seja lá para mim ou para você — dessa vez não há deboche, mais uma exaustão na sua voz.

— O que tem de errado em querer que você ingresse na melhor universidade do mundo?

— Não tem nada de errado! Só não é o que eu quero. Aliás, o que tem de errado em querer fazer uma faculdade daqui?

— Você pode não ver hoje, mas no futuro você vai me entender e vai se arrepender de não ter me ouvido.

— Tudo bem, que eu me arrependa. O que importa é que, hoje, eu não quero essa vida que você planejou para mim.

Eles diminuem o tom da discussão e eu grudo ainda mais na parede, para conseguir ouvir tudo com precisão.

— Tá bom, Travis. A gente continua isso outra hora.

Permaneço com a cabeça na parede, esperando uma possível continuação da discussão, mas só há silêncio.

Quando noto que a discussão acabou de vez, saio de perto da janela e vou para a porta.

— Zoe! — Liam exclama no susto e eu dou um passo para trás, pois também levei um baita susto, não estava o esperando aparecer assim que abrisse a porta de casa — a sua avó está em casa?

— Está, mas está dormindo.

— Tem problema se eu entrar e esperar ela acordar? — é um pedido estranho, mas sua feição está de tristeza.

Conhecendo o Louis e o Travis, eles não são bons em consolo, ou sentimento no geral. Se o Liam está atrás da minha avó, ao invés do Louis, é porque ele quer falar sobre sentimentos, ou apenas desabafar sobre sua discussão com o Travis.

— Pode sim. Só vou bem ali e já volto — digo, liberando a porta para ele entrar.

— Obrigado.

Assim que saio de casa, quando termino de descer o último degrau, sou tomada por uma necessidade de voltar. Talvez seja pela expressão de cachorro abandonado do Liam, ou pela vontade de ajudá-lo com o Travis.

— Liam — digo assim que abro a porta e o vejo sentado no sofá, ainda com a mesma cara. — Estou indo tomar um sorvete, não quer vir? Certeza de que ela ainda estará dormindo quando voltarmos.

O Garoto da Casa ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora