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Avisto o Travis chegando na rua de casa com sua caminhonete, assim que desço do ponto de ônibus. Tenho que falar com ele, pedir desculpa pelo modo que o tratei. A chance dele me deixar plantada, no meio de uma discussão, é grande. Porém, é melhor correr esse risco hoje, já que a humilhação do Noah continua fresca.

Caminho alguns passos atrás dele, sem que ele me note. Não quero ter essa conversa no meio da rua, quero ter privacidade.

O vejo entrando na sua casa, entro na minha logo em seguida, só para deixar minha mochila. Depois, bato na porta da sua casa.

— Não tem comida hoje — responde assim que abre a porta e me vê.

Ele vira de costas para mim e caminha até a cozinha. Ótimo, não falei nada e já fui ignorada.

— Não vim comer, queria falar com você — digo, seguindo ele até a cozinha.

— Achei que você tivesse repulsa de mim — ele continua com seu tom sarcástico.

— Eu não sinto repulsa por você. Talvez eu sinta por mim, pelo ...

— Não estou a fim de ouvir suas desculpas e vitimismo, não caio nesse papo.

Verdade, o Travis é do tipo que tem ranço de quem sente pena de si próprio. Se eu for me desculpar com ele, tenho que bancar o que fiz e o que falei. Tenho que ser honesta e precisa.

— Certo! O Noah tinha acabado de me pedir em namoro, por isso fui para o vale, porque minha cabeça estava para explodir. Ai você estava lá, e você me faz sentir coisas que nunca senti, e que gostaria de sentir pelo Noah, mas não sinto. Fiquei confusa, mas, no fim, eu era a pessoa que namorava e que estava traindo o meu namorado. O modo que descontei a raiva de mim mesmo em você foi totalmente errado. Colocar a culpa em você era mais fácil do que aceitar que fui infiel de novo. Portanto, me desculpa.

— Okay — diz, voltando sua atenção para uma panela de água fervendo.

— Okay, o quê? — pergunto confusa, o que isso significa? Ele me perdoou ou não.

— Apenas, okay.

— Travis.

Me abri para ele e tudo que ele fala é um okay? O que deu na minha cabeça de falar que sinto algo por ele?

— Zoe, eu ouvi o que você falou, e é isso. Só porque você me pediu desculpas não quer dizer que tenho que te desculpar. O modo que você falou comigo, o modo que você me olhou, como se eu fosse a pessoa mais nojenta do mundo, foi pesado. Não sou perfeito, estou muito longe disso, mas nada que eu fiz justifica o seu olhar. Agradeço suas desculpas, mas não me sinto bem em ficar perto de você, muito menos em te perdoar ainda — diz calmo, sem tirar em nenhum momento seus olhos dos meus.

Sabia que eu o tinha magoado quando falei aquelas besteiras a ele, mas não sabia que foi o meu olhar que o machucou. Consegui ficar pior do que eu já estava.

— Tudo bem. Eu fui uma idiota mesmo. Bom, é isso, precisava te pedir desculpas, então mais uma vez, desculpa — digo, caminhando em direção à porta.

— Você precisava ou você queria? — ele cutuca quando eu já estava abrindo a porta.

— Tem diferença? — pergunto confusa.

— Sim, se você acha que precisava, era apenas para aliviar sua consciência, para te fazer dormir melhor. Se você quisesse, aí você entendeu realmente o porquê você está se desculpando.

— Então, reformulando, eu queria e precisava me desculpar com você. Satisfeito?

— Quem tem que estar satisfeita é você, não eu.

Minha vontade é de mandá-lo a merda, mas ele tem motivo de está me tratando assim, e não quero brigar com ele novamente.

— Tudo bem, tchau, Travis.

— Até mais, Zoe.

***

Assim que chego em casa, meu telefone toca, fico encarando a tela, faz tempo que não falo com o meu pai. Parece que agora, vendo a sua foto na tela do meu celular que percebi que estou com saudades dele.

— Pai? — digo com uma certa cautela, é muito cedo no Japão, ele havia me dito que pegou uma gripe pesada, e que não iria trabalhar essa semana, por isso, tenho receio dele ter me ligado para falar que agravou sua gripe.

— Zoe! — exclamando outro lado da linha, uma exclamação feliz — oh, minha filha, que bom ouvir sua voz, que saudades eu estou de você. Madruguei para tomar uns remédios e não consegui voltar a dormir. Então, me rendi e resolvi ligar a televisão, sabe o que está passando?

— Os Gonnies? — respondo incerta, mas deve ser, é o filme que mais vimos juntos. Era o favorito do meu pai quando ele era jovem, acabou sendo o meu também.

— Isso mesmo! Lembrei de você na hora. Que saudades. Mas conta, como você está? Como está o namoradinho? Como está sua avó? Conta tudo! — diz todo empolgado e animado, pela sua voz, presumo que ele esteja melhor da gripe e já me alivia.

Sou domada por uma pontada no peito, é pura saudades. Nossa relação sempre foi boa. Quando ele morava aqui, era mil vezes melhor, ele era meu porto seguro, porém, quando ele se mudou, tudo mudou, não o ter mais perto de mim, não ter para onde correr, ou para quem chorar, foi extremamente difícil. Depois da sua partida tive que virar a mãe da minha mãe.

Meu pai sempre teve o melhor abraço, por mais que tenha muito tempo que não o abraço, é só eu fechar os olhos que consigo sentir a sensação de acolhimento que é estar dentro de seu abraço. No momento que está a minha vida, ele é o único que eu conseguiria desmoronar completamente.

— Pai — digo com uma voz falha, segurando o choro —, muita saudade — respiro fundo, não quero parecer triste. — Quando você vem me visitar? — não era isso que planejava perguntar, iria responder suas perguntas, mas a saudade falou mais alto.

— Minha filha, o que aconteceu?

— Nada, só saudades mesmo. Só isso.

— Você sabe que não sou de quebrar minhas promessas. Estou organizando tudo para estar com você no final desse ano, cumprirei com a minha promessa. Porém, não consigo ir antes — sei de tudo isso, nem sei o porquê fiz essa pergunta, deve ter sido puro desespero. — Não tem nada que eu possa fazer para te ajudar, nesses milhões de quilômetros de distância?

— Tudo bem, sei que no final do ano vou te ver, e mal vejo a hora desse dia chegar — tento falar com mais animação, não quero o assustar. —  A vovó está sendo perfeita, só que às vezes sinto falta de você.

— Eu sei, meu amor. Estou doido para te abraçar e fazer nossa saudável competição de quem come mais — diz para descontrair.

— Também sinto falta de seus abraços e de ver você perdendo para mim.

— Vai descansar. Amanhã eu te ligo e você vai me contar tudo? Combinado?

— Combinado.

Queria meu pai aqui, nesse exato momento, queria desmoronar no colo dele, queria ouvir seus conselhos errados e suas implicâncias, que não ajuda, mas pelo menos me fazem rir.

O Garoto da Casa ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora