A minha espada repousava em silêncio sob as sombras do meu colchão. Eu mal conseguia conter meu desejo de empunhá-la outra vez, mas precisava ser paciente. O meu sangue corria quente, uma torrente incontrolável de sentimentos que ameaçava transbordar a qualquer momento. Eu tinha me arriscado muito, cada fibra do meu ser ainda pulsava com uma mistura de medo e adrenalina. Eu lutava para manter a calma e impassibilidade diante ao que acabara de fazer.
Não podia levantar suspeitas. Não podia dar satisfação aos piratas de descobrirem o que eu fiz.
Então, respirei fundo, tentando controlar as batidas descompensadas do meu coração enquanto todos nós nos reuníamos no refeitório, pendurados nas palavras de Rhascourt. A tensão que me fazia vacilar carregava o ar como se fosse feito de metal quente, pronto para ser moldado pela lâmina da minha espada.
— Desembarcamos em Belrealis ao nascer do dia — anunciou, causando comoção entre os piratas. Eu não tinha nada em mente senão cortar as pouquíssimas horas que me separa da liberdade. — Preciso de nomes para ajudar no transporte dos mantimentos e outros para vigília.
Os piratas se prontificaram a sua disposição, cada um à sua maneira. A maioria erguia a mão, outros batiam com as canecas de barro contra a enorme mesa de madeira, criando uma onda orquestrada de barulho. Mesmo sabendo que Rhascourt não pensaria em mim nenhum instante para os acompanhar, eu também levantei a minha mão.
Ele estava esperando que eu fizesse aquilo. Causaria bem menos suspeitas do que não fazer nada.
— Wilmot, Mikko, Rune e Caz ficarão na vigia, às ordens de Horne — ele prosseguiu, escolhendo mais homens. Quando seus olhos me encontram, ainda com a mão erguida, ele me lança um simples balançar de cabeça e eu a abaixo, entendendo o recado. — Hartley, Rufus, Elaena e Emmons virão comigo. Quanto aos outros, mantenham-se atentos às próximas ordens.
O burburinho se dissipou no refeitório quando Rhascourt começou a explicar minuciosamente todos os detalhes da excussão. Enquanto ele discorria sobre os trajetos a seguir, minha mente vagueava para muito além dali, traçando meu próprio plano e delineando as estratégias de uma fuga meticulosa. Imerso em meus próprios pensamentos, alheio ao alvoroço ao meu redor.
Não permiti que a sombra dos obstáculos turvasse minha coragem. Eu tinha chegado longe demais para hesitar agora, quando sinto a liberdade tão próxima de mim.
Rhascourt havia fortalecido a guarda por uma razão. Ainda que nos últimos dias nossa convivência tenha dado uma guinada inusitada, em certos momentos — isso, graças a sua persistência de ficar perto de mim —, ne a linha tênue entre um príncipe sequestrado e o pirata caçador para dois possíveis aliados, estava claro que eu não tinha sua confiança. Não para o acompanhar em um espaço aberto onde eu pudesse me camuflar entre as outras pessoas e fugir da sua zona de alcance.
Tínhamos isso em comum. Rhascourt despertava em mim algo que irradiava da ponta dos meus dedos até as minhas entranhas, como magia. Mas, fora isso, eu também não confiava nenhum pouco nele — porque ele é um pirata, e eu, um príncipe.
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ALGUM LUGAR DO OCEANO
RomanceQuando piratas selvagens e impiedosos o arrancaram de seu navio em meio a uma viagem que selaria seu destino para sempre, o príncipe não sabia que graças aquele encontro, o véu que escondia os segredos e mentiras sombrias sobre seu reino e sua linha...