Miro tinha um plano.
Não era um plano arriscado, era simples. Simples demais, eu pensava enquanto ele me explicava os poucos detalhes que havia pensado. Em suas palavras, era simples: fugiríamos antes do amanhecer e ele me levaria até os piratas. Encontraríamos com eles em uma parte remota da ilha, um local que já havia sido comunicado a um dos informantes de Rhascourt, que nos esperaria.
Como se pudesse ouvir nosso plano, a ilha se espremia cada vez mais no tempo que se arrastava. Cada um minuto passado se transformava em uma jaula de incertezas. O plano era simples demais para ser executado facilmente, sem nenhuma margem de erro. Parecia fácil demais para dar certo.
E isso me apavorava.
Se passaram algumas horas desde que Miro saiu, prometendo retornar com roupas novas e um chapéu para que eu pudesse esconder o meu rosto, por garantia. Talvez eu estivesse sendo pessimista. Talvez a enorme e implacável maré de azar que arrastava minha vida a um destino incerto, vendasse os meus olhos impedindo que eu enxergasse um caminho invulnerável sem armadilhas a cada esquina.
Não ousava me questionar o que mais poderia dar errado. Os fantasmas de ópera que me assombravam a cada passo poderiam se sentir desafiados e girar novamente a chave do meu destino.
Antes de sair, Miro — agora eu conhecia seu nome —, retirou do bolso do seu casaco de lã grossa uma maça fresca e suculenta. Arranquei um pedaço considerável, mastigando a casca e sentindo ela entrar nos meus dentes. Aquela maça era muito mais do que tudo que eu havia comido nos últimos dois dias. O exilir da fruta proibida assoprando vida para dentro dos meus pulmões, um néctar que tentei engolir desesperadamente.
Também me deu água. Tomei mais que um único gole por dia — limite imposto pelos tiranos — e eu sentia minha garganta um pouco menos seca, ao menos. Eu não esperava ser salvo novamente, nem sabia por que ele estava me ajudando, mas seus atos falavam mais alto que qualquer outra palavra dita.
Por um momento, eu acreditei, enfim, estar finalmente salvo. Mas estava errado.
Em poucas horas, se tudo ocorresse como o planejado, eu estaria livre outra vez, mas nunca salvo.
Porque não existe salvação em meio à guerra, assim como não há felicidade em meio a tanta tormenta. E, mesmo que eu alcançasse a liberdade desejada, o que poderia fazer para mudar o que já estava feito?
Fechar os olhos e deixar ser adormecido nas correntes calorosa do cansaço apenas tecia as mesmas imagens que, presas em minha cabeça, me consumia com uma dor e uma angústia indescritível. Os sonhos me atormentavam mesmo quando eu lutava para manter-me desperto, fugindo de cada um deles.
Em meus devaneios mais profundos, eu mergulhava nas águas turvas da memória, procurando vestígio do veneno que escorriam perigosamente nas palavras do meu pai sobre Lilásia. Preso em um labirinto cruel de sombras, tentava encontrar um único sinal no passado que evidenciasse o horror que acomete o presente, e reduz Arcatia e Lilásia a um futuro incerto.
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ALGUM LUGAR DO OCEANO
RomanceQuando piratas selvagens e impiedosos o arrancaram de seu navio em meio a uma viagem que selaria seu destino para sempre, o príncipe não sabia que graças aquele encontro, o véu que escondia os segredos e mentiras sombrias sobre seu reino e sua linha...