capítulo XXVII

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Stênio Alencar

Acordei com meu celular tocando, fazendo um barulho extremamente alto dentro daquele quarto silencioso. Pela janela eu conseguia ver que o dia ainda não tinha amanhecido, o que me alertou que a ligação deveria ser da delegacia.

Atendi com rapidez, percebendo que Helô se mexia na cama, acordando lentamente pelo barulho.

— Alô? Tá certo, entendido. Daqui uma meia hora tô aí.

Um dos policiais tinha feito exatamente o que eu pedi e me ligou assim que terminou a averiguação do possível cativeiro, para que não fôssemos surpreendidos durante nossa chegada.

Era tudo feito com base em muito cálculo, muito cuidado para que não perdêssemos ninguém do time. Jamais nos colocamos em risco quando não temos a certeza de que é seguro avançar, mesmo que o alvo dessa situação seja minha filha.

— Era da delegacia? — a voz rouca e carregada de sono de Heloísa invadiu o ambiente, me tirando da transe que eu mesmo havia me colocado.

— Era. Conseguiram a liberação pra entrar no cativeiro, vou só trocar de roupa e correr pra lá.

Nem dei muitas informações pra ela, porque não queria que ela fosse junto. Depois da crise de mais cedo, o melhor lugar para ela ficar é em casa, esperando a volta de Cecília. Não poderia colocá-la em risco também.

Fui até o meu guarda-roupa, procurando minha roupa de operação, que era o mais básica possível para não atrapalhar minha locomoção durante o processo. Vesti uma calça preta, uma camiseta na mesma cor, colocando um boné preto para disfarce.

Voltei para o quarto e notei que Helô tinha se levantado e estava trocando de roupa também, me deixando um pouco em alerta.

— O que você tá fazendo? — perguntei curioso, olhando-a com atenção.

— Eu vou junto com vocês, Stênio. — antes que eu pudesse responder, ela colocou a mão no ar entre nossos corpos, em um ato silencioso me pedindo para parar. — Nem tente me proibir de ir... Já falei que vou junto e o assunto está encerrado.

— Helô... Não é só por causa da sua crise de ontem, não tem como te colocar em campo se você não sabe nem manusear uma arma. — tentei explicar com toda calma do mundo.

Não queria deixar a advogada mais estressada do que ela já aparentava estar, mas precisava ser sincero com ela sobre os perigos de participar de uma operação como aquela desarmada.

Nós não sabíamos se havia mais alguém além de Antônio e Cecília por lá, se cairemos em uma encruzilhada ou se vai ser tudo tranquilo. Não tem como ter certeza de nada.

— Eu fico no carro esperando, mas eu vou junto.

Eu sabia que não adiantaria bater de frente com ela mais uma vez, porque ela não iria ceder. Pelo menos ela ficaria dentro do carro da polícia, sã e salva até que eu conseguisse trazer minha filha de volta.

Só esperava que as coisas realmente acontecessem dessa forma.

Chegamos na delegacia alguns minutos mais tarde, percebendo a grande movimentação de policiais que haviam ali. Em casos de invasão como esse, sempre levamos um time grande para campo para o caso de sermos surpreendidos.

Apesar de terem feito uma averiguação no local e não terem encontrado nenhuma indicação de muitas pessoas, a gente precisava estar preparado para o pior. Era a forma de garantir que não lidaremos com algo maior do que a gente consegue.

— Delegado, podemos ir? — um dos policiais me pergunta, assim que termino de ajeitar os meus equipamentos no meu corpo.

Olhei para o lado, procurando a advogada com o olhar. Ela estava parada em uma das paredes da delegacia, com um terço na mão enquanto rezava. Nesse momento meu peito se encheu de um sentimento tão bom, tão genuíno que eu nem conseguiria explicar, nem se eu quisesse.

Essa mulher estava mexendo comigo mais do que deveria, mais do que eu conseguiria controlar.

— Vamos. Vou só chamar a Helô. — avisei. — Ah, ela vai ficar no carro, tá? Designa alguém do time pra acompanhar ela.

Mesmo que eu não pudesse estar do seu lado naquele momento, faria questão de colocar alguém confiável para zelar pelo seu bem estar até que eu voltasse com a criança nos braços.

Tentava ser confiante e acreditar que aquilo realmente aconteceria, da forma que eu imagino e desejo.

— Vamos? — me aproximei dela, segurando seus braços e a aproximando de mim. — Promete que vai ficar quietinha dentro do carro e me esperar voltar?

Percebi que ela demorou pra responder, parecendo procurar as palavras que deveria dizer.

— Por favor, Helô... — quase implorei, não querendo arranjar mais um problema pra minha cabeça.

— Tá bom, Stênio. Já entendi. — respondeu estressada, tentando passar por mim.

Antes que ela se afastasse, segurei no seu braço, puxando-a para mim de novo. Dei uma olhada rápida na sala, percebendo que já estávamos sozinhos.

— Para de marra, tô pedindo para o seu próprio bem. — falei calmo, com o meu rosto bem próximo do dela.

Maldita mulher que ficava bonita até após uma noite mal dormida.

— Já disse que entendi, delegado.

O nariz em pé nunca dava trégua, sempre pronta para enfrentar qualquer um que acabasse com a sua paciência. O azar dela é que eu realmente me sentia ainda mais tentado a provocá-la.

— Então, obedece. — sussurrei com a boca tão próxima da sua, a ponto de conseguir sentir sua respiração quente.

Assisti o exato momento que seu corpo relaxou com a minha voz grave, e ela apenas assentiu positivamente com a cabeça. O seu olhar desceu até a minha boca, me encarando descaradamente.

Aproximei nossas bocas em um selinho que deveria ser calmo e rápido, mas quando senti sua língua pedindo passagem, não consegui resistir e me deixei viver aquele momento.

Nos beijamos com cautela, querendo ter a garantia de que tudo ficaria bem. Que voltaremos nós três juntos de lá, que conseguiremos prender os envolvidos. Era um beijo cheio de pedidos e vontades.

As mãos de Helô apertaram minha camiseta, me segurando firmemente. Nossas bocas foram se afastando lentamente, com uma mordida leve no lábio inferior. Encostei minha testa na sua, não conseguindo ficar longe.

— Volta inteiro pra mim, delegado. — ela sussurrou, arrastando seu nariz no meu em um carinho singelo. — E traz a pirralha chata junto.

Aqueles apelidos que antes eram vistos por mim de forma negativa, hoje eu já consigo enxergá-los como carinhosos. Helô a chama dessa forma porque não sabe expressar muito bem seus sentimentos, mas eu consigo sentir o tanto que ela gosta de Cecília.

E é isso que importa pra mim.

Saímos de mãos dadas da delegacia, sem nos importarmos com os olhares que poderiam ser dirigidos em nossa direção. Não poderia me preocupar menos com o que as pessoas achavam do nosso recente relacionamento, só me deixava viver aquilo enquanto podia.

— Tá todo mundo olhando pra gente. — Helô comentou um pouco envergonhada.

— Deixa que olhem, doutora. — falei rindo.

Meu coração se acalmava muito mais ao lado dela, se não fosse pela advogada eu já teria surtado com o sumiço da minha loirinha. Ela me alertou todas as vezes que eu estava me deixando levar pelo desespero do seu sumiço, me ajudando a manter a calma e focar na investigação.

Se não fosse por Helô, talvez nem teríamos conseguido chegar até aqui. Ela foi a responsável por me ajudar a ser o melhor delegado de polícia do Rio de Janeiro, o único que conseguiria trazer Cecília de volta para casa.

E era hora de finalmente tê-la em meus braços de novo.

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