capítulo XXXVII

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Heloísa Sampaio

Respirei fundo incontáveis vezes antes de entrar naquele apartamento, já imaginando o cenário de guerra que me esperava. Pedi gentilmente que Creusa contasse para Cecília que o pai tinha se machucado e estava no hospital, porque sinceramente não teria forças pra isso.

Aliás, nem sei se saberia como explicar algo tão complicado para uma criança. A loirinha já vinha quebrando barreiras em mim, mas ainda havia certas coisas que eram demais.

Eu não fazia ideia de como lidar com tudo isso.

Entrei no apartamento silencioso com o coração apertado por estar ali e não no quarto de hospital em que Stênio está, porém sabia que de nada adiantaria eu ficar lá. O que for pra ser, vai ser e só me resta ter fé que as coisas vão melhorar.

— Creusinha? — falei baixinho, entrando na cozinha e notando a presença da mais velha ali.

Quando nossos olhares se cruzaram eu consegui enxergar nela a mesma dor que eu via em mim, uma dor de não saber como as coisas vão ser daqui pra frente.

Sem falar nada, me aproximei dela e a abracei. Não sabia que precisava tanto daquele abraço até estar presa nele, me deixando sentir toda a dor que meu corpo implorava por sentir. Era bom ter alguém com quem compartilhar todos aqueles sentimentos.

Funguei, apertando-a contra meu corpo, parecendo uma criança precisando de colo.

— Eu tô apavorada. — confessei em um sussurro.

Apesar de nos conhecermos a tão pouco tempo, tinha sentido uma conexão única desde o primeiro dia. E eu sabia que ela gostava de mim, tanto quanto eu gosto dela.

— Ô minha menina, vai ficar tudo bem. Dotô Stênio é forte que nem uma rocha. — ela tentava me passar uma confiança que nem ela mesmo sentia.

A incerteza é o que deixa tudo ainda pior, não sabermos como vai ser o futuro.

— O que o médico falou? — Creusa perguntou assim que nos afastamos.

Limpei meu rosto que estava molhado por algumas lágrimas que permiti que escorresse, tentando me recompor.

Odiava parecer frágil.

— Disseram que essa noite é a mais importante pra ver como o quadro dele vai evoluir, que essas primeiras 24 horas são as mais difíceis. Então é torcer pra tudo ficar bem por hoje, torcer pro corpo dele começar a responder os medicamentos e ele ir melhorando.

— Ai meu senhor, vou até acender uma velinha pra abençoar a noite do Dotô. Se Deus quiser amanhã ele vai acordar melhor e logo tá de volta pra casa.

Mesmo em um momento de dor, Creusa fazia questão de tentar manter a energia lá em cima, sempre com pensamentos positivos e uma fé que era quase inabalável. Queria conseguir ser um pouco como ela.

— Você falou com a menina? — toquei no assunto que mais me incomodava, pensar em como essa situação afetava Cecília.

Afinal, é do pai dela que estamos falando. A única pessoa que cuidou dela desde o primeiro momento, que sempre a colocou como prioridade em tudo na sua vida.

— Falei, mas a bichinha não entendeu muito bem, não. — dava pra sentir o pesar na fala da mulher. — Tá enfiada no quarto desde a hora que eu conversei com ela, não quis que eu ficasse lá junto... Você podia tentar falar com ela, né?

— Eu? Se você que é praticamente avó dela, ela já não quis papo... Imagine comigo.

— Você não tem noção mesmo do tanto que essa menina gosta da senhora, não é, dotôra?

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