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Stênio Alencar
Ansiedade deveria ser o meu nome do meio naquele momento, enquanto eu esperava impaciente pela chegada de Heloísa com Cecília e Creusa. Após eu comprovar que estava bem de verdade, ela aceitou trazer as duas para uma visita.
Confesso que achei extremamente fofo sua preocupação com a forma que minha filha iria me ver, por não querer que ela me visse debilitado e mal. Mais um ponto para Heloísa Sampaio, que não cansa de me surpreender.
Meu coração parecia que iria explodir de tanta saudade que eu sentia das duas, como se estivéssemos há meses sem se ver.
Quando a porta do quarto foi aberta e apenas Creusa entrou por ali, franzi meu cenho sem entender muito bem o que estava acontecendo.
— Cadê a Cecília?
Mesmo fraco deitado naquela cama de hospital, deixei meu corpo em alerta para possíveis situações de desespero.
— Ihh... Aquela ali, viu dotô. Nem te conto. — Creusa entrou sorrindo, toda alegre. E eu continuava sem entender nada. — Fez um show na entrada do hospital porque viu um menino vendendo sorvete ali na rua, aí a patroa não conseguiu dizer não.
Um sorriso involuntário nasceu nos meus lábios só por tentar imaginar a cena de uma das maiores advogadas do país sendo facilmente dobrada por uma criança de cinco anos, realmente histórico.
— A Helô vai acabar mimando essa menina ainda mais, tô até vendo. — fingi reclamar, mas o sorriso não abandonava meu rosto. — Vem me dar um abraço, vem Creusinha, que eu tava morrendo de saudade de você.
A mais velha se aproximou com os braços abertos e o olhar marejado, se deixando levar por aquele momento de reencontro. Quando pensei que não voltaria para as minhas meninas, só conseguia pensar em quem as manteria em segurança sem a minha presença.
Sempre fui o responsável por garantir que elas tivessem a melhor vida, que nunca faltasse nada nem para a minha filha e muito menos para a Creusa. A mera menção de ir embora e deixá-las sem nenhum apoio, me apavorava.
— Vocês ficaram bem enquanto eu estive fora? — perguntei, aproveitando que a criança ainda não tinha chegado e poderíamos falar de assuntos mais sérios.
— Ai, meu menino. Fomos tratadas a pão de ló pela doutora, viu? Ela não saiu nenhum minuto de perto da gente, levou e buscou a Ceci na escola todos os dias, me ajudou com o jantar quando pôde e ainda vinha ficar de olho no sinhô todo fim de tarde.
Não que eu já não soubesse que Helô tinha se comportado como um anjo enquanto eu estava impossibilitado, mas ter a certeza de que ela tinha feito muito mais do que eu jamais teria coragem de lhe pedir, enchia meu peito.
— Cê tá todo aí, bobinho pela advogada, né meu filho? — Creusa tirou onda, notando meu olhar perdido enquanto pensava nela.
— Você acha que ela... — não queria parecer um adolescente com medo de viver a primeira paixão, mas Creusa seria a última pessoa no mundo a me julgar por essas inseguranças. — acha que ela tá interessada em mim também?
Parece até bobo perguntar algo desse tipo depois de ter tido todas as provas das coisas que ela fez por mim, mas não dá pra se explicar uma insegurança.
Por algum motivo, eu queria que ela estivesse tão na minha como eu estou na dela. Faz sentido?
— Ela tá arriada os quatro pneus no senhor, dotô Stênio! — deu um tapinha no meu braço de leve. — Acorde pra vida, homi.
Dei risada do jeito espalhafatoso de Creusa, que não tinha papas na língua para expor sua opinião, independente se fosse algo que queremos ou não ouvir.
Antes que pudéssemos continuar nossa conversa, a porta do quarto foi aberta por Heloísa e Cecília em uma cena pra lá de encantadora.
A advogada segurava a criança no colo enquanto o rosto das duas estava totalmente sujo de sorvete de morango, o favorito delas. A roupa da criança estava em um estado decadente e a de Heloísa não ficava muito atrás.
— Passou um furacão de sorvete de morango por vocês duas? — brinquei, com um sorriso que quase não cabia no rosto de tão grande.
Cecília nunca precisou de uma figura que representasse a mãe que a abandonou logo que nasceu, eu fiz questão de que isso nunca fosse uma necessidade dela. Me fiz presente o triplo pra ela sequer se lembrar do que tinha acontecido, assim como a presença de Creusa facilitou bastante.
Mas enxergar a cumplicidade que as duas tinham em tão pouco tempo, quase como uma conexão inexplicável, me tirava do eixo.
E me deixava sem palavras.
— Peraí, que a gente já volta. — Helô respondeu rindo e correndo em direção ao banheiro privativo que havia no quarto para que as duas pudessem se limpar.
Devo ter ficado olhando que nem um abestalhado na direção da porta do sanitário, porque até mesmo Creusa me lançou um olhar questionador.
— É ela... Você sabe disso, não sabe? — sussurrou baixo o suficiente para que nenhuma das duas escutasse nossa conversa.
— É... — murmurei pensativo, ainda extasiado.
Poucos segundos depois, ainda com a criança em seu colo, porém muito mais limpa do que antes, as duas voltaram para o quarto. Helô se aproximou da minha cama, trazendo minha filha até mim e a colocando sentada do meu lado.
— Oi, pipoquinha. Que saudade que eu tava de você. — tive que abraçá-la do jeito que deu, ainda todo enfaixado por conta do tiro que eu havia tomado.
— Eu também tavo com saudade, papaizinho. — a vozinha fofa de Cecília era a calmaria que eu precisava pra aquele momento. — A tia Helô me ajudou a dormir todos os dias, porque eu não queria dormir sozinha.
Entendem quando eu digo que essa mulher vai deixar essa criança ainda mais mimada do que ela já é? Isso é um fato.
— Virou bebezinho de novo pra não saber dormir sozinha, dona Cecília? — fingi estar bravo, mas meu tom de voz risonho deixava claro a brincadeira.
— Deixa de ser chato, Stênio. — ah, aquele som da letra "s" sempre que ela puxa o sotaque... — A pirralha tava com saudade de você e não queria dormir sozinha, aí eu me voluntariei pra ter que aguentar ela mais um pouquinho, né Ceci?
Helô deixou um cheiro no topo da cabeça da menina, me fazendo franzir o olhar para o quão íntimas elas estavam. Será que eu tinha ficado apagado por um ano e ninguém me avisou?
— Mentira, papai. A tia Helô disse que também tavo com saudade... — a criança tentou continuar falando, mas a mão da advogada começou a tampar sua boca, não a deixando falar.
— Fica quietinha, vai pirralha. — brincou, enquanto suas bochechas ficaram coradas.
— Mais tarde a gente conversa sobre isso, doutora. — pisquei pra Helô, entrando no seu jogo.
Não via a hora de finalmente sair daqui e poder ir voltando a minha rotina aos poucos. Queria minha cama, minha casa, meu banheiro e principalmente, minha companhia de todas as noites.
Tinha me acostumado a dormir com aquele bendito cheiro doce dela enrolando meu corpo e impregnando na minha derme, e seria difícil desacostumar.
— Você tá indo na escolinha direitinho, princesa? — mudei o assunto, percebendo que a advogada realmente tinha ficado envergonhada.
Por ora, deixaria passar aquela informação que Cecília havia me dado de bandeja. Mas uma hora eu iria cobrar.
Se ela realmente sentiu aquela saudade toda de mim, a ponto de nem querer dormir sozinha, eu precisava arrumar um jeito de me desculpar com a minha mulher.
Quem sabe fazendo todas as suas vontades.
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Reverso
FanfictionComo seria se tudo fosse ao contrário? Uma história fictícia | Steloisa.