capítulo XXXXVIII

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Stênio Alencar

A minha raiva em relação à Heloísa não tinha passado, apesar de ter achado fofa sua atitude de me enviar flores pra tentar consertar seu erro. Mas isso não significa que eu a quero longe de mim, ou que eu deixaria que ela fosse para o seu apartamento sem mais nem menos.

Quando um pediu o outro em casamento, nós dois sabíamos que nem sempre tudo seriam só flores, ainda mais com as profissões que nós temos. Não dá pra ameaçar desistir cada vez que tivermos uma briga, senão isso não vai funcionar.

— Eu não vou ficar se você for continuar me ignorando, Stênio. — respondeu toda bravinha, cruzando os braços na frente do corpo.

É realmente uma tarefa bem difícil continuar irritado com ela frente a frente assim, principalmente quando ela fica com essa cara de brava que a deixa ainda mais deliciosa aos meus olhos.

Mas eu preciso focar no que é importante nesse momento, que é nessa nossa conversa. Se eu deixar passar dessa vez, vai acontecer de novo e de novo, e quando a gente se der conta vai ter se tornado uma bola de neve.

E é assim que um casamento vai se findando pouco a pouco, e eu não posso deixar isso acontecer conosco.

— Vamos jantar em paz junto com as duas, depois a gente conversa. Pode ser? — perguntei calmo, não querendo voltar a tratá-la de uma forma que a deixasse desconfortável de estar aqui, nessa casa.

Obviamente que o clima não ficou dos melhores durante toda a noite, mas a presença de Cecília facilitava um pouco para nós. As duas estavam um grude desde que a criança havia a chamado de mãe há alguns dias, fazendo com que Helô se sentisse mais confortável com a criança sempre por perto lhe dando a atenção que ela merece.

Quando voltamos ao nosso quarto, já tarde da noite, permanecemos os dois em silêncio, um em cada canto do cômodo. Me sentei em uma poltrona que havia ali, enquanto Helô permaneceu de pé, encostada na penteadeira dela.

Não sei muito bem como começar essa conversa com ela, visto que eu não sei como expressar os meus sentimentos para que ela consiga entender o meu lado.

Mas não tinha como fugir.

— Por que você não me falou que ele era seu cliente? Eu preferia ter ouvido da sua boca e não lido sua assinatura num papel.

Comecei ainda incerto, falando baixo pra não me deixar alterar por aquela situação. Eu preciso me lembrar constantemente que aqui, nessa casa, eu não estou falando com uma das melhores advogadas criminalistas do estado.

Eu estou falando com a minha futura esposa.

— Eu não sei o porquê não disse nada. — ela começou incerta, mas parou de falar pra refletir sobre o que estava dizendo. — Eu acho que eu não queria estragar o clima bom que estava entre nós dois com isso, porque eu não sabia como você iria reagir.

— Nós brigamos da mesma forma, Helô. Teria sido menos pior se você tivesse sido sincera comigo, se você tivesse me contado sobre a soltura antes mesmo do habeas corpus chegar pra mim.

Nossas vozes estavam em altura normal, o intuito daquela conversa era totalmente diferente da nossa discussão no seu escritório mais cedo. Ali, eu estava com os nervos à flor da pele e acabei falando mais do que devia.

Aqui, agora, eu realmente esperava conseguir me resolver com ela.

— Eu sei disso, Stênio, agora eu sei. Mas eu achei que não iria fazer diferença você saber por mim, sendo que o habeas corpus ia chegar pra você de qualquer forma. — explicou, passando a mão pelos cabelos nervosamente. — Eu não sabia que você estava há meses tentando prender ele, eu não sabia mesmo.

Não que fizesse diferença saber que ela não tinha o conhecimento de quão dificultoso foi prender aquele estelionatário, mas era um alívio no peito ter a ciência de que ela não menosprezava o meu trabalho também.

Fiquei em silêncio por mais tempo do que o esperado, fazendo com que ela voltasse a falar.

— Eu não vou deixar de fazer o meu trabalho direito só porque é você, Stênio. Além do nosso relacionamento, eu tenho uma carreira inteira que depende que eu faça o meu trabalho da melhor forma possível. Se essa questão é algo que vai ser um problema pra nós, eu acredito que não tenha solução. Talvez seja melhor nós pararmos por aqui.

Só de pensar na possibilidade de ter que abrir mão do que eu e Helô temos, já sinto meu peito se apertar em angústia.

No amor, a gente precisa estar aberto a fazer concessões, a deixar alguns ideais de lado para que dê certo, para que funcione para os dois lados. No nosso caso, nós teremos que saber separar muito bem a advogada e o delegado, de Helô e Stênio.

Ao contrário, isso não iria funcionar.

— Vem cá. — a chamei, batendo na minha perna de leve, querendo que ela venha até mim.

Heloísa se aproximou ainda meio incerta, sentando no meu colo ainda meio dura, paralisada.

— Essa é a primeira vez que a gente tem que lidar com essa situação desde que estamos juntos, foi até bom isso acontecer pra gente sentar e conversar igual dois adultos. — comecei a falar, segurando sua cintura para manter seu corpo próximo ao meu. — Eu não quero que você pense que eu não respeito o seu trabalho, Helô. É muito longe disso... Eu sei que você é a melhor advogada dessa cidade, e é por isso que eu sei que você também é a que mais vai me dar trabalho.

Ela riu, aliviando o meu peito com uma reação positiva vindo dela. Já era muito mais do que eu tinha até alguns minutos atrás.

— Eu não vou prometer que não vou mais surtar quando você soltar os meus bandidos, porém, eu preciso que você seja sincera comigo nas próximas vezes. Não me deixe saber pelos outros o que pode ser dito por você. — acariciei sua mão que estava parada em meu peito, deixando um beijo rápido ali. —  Mas acho que consigo te perdoar se você me mandar flores de novo. — tentei aliviar ainda mais o clima, brincando com a situação.

E funcionou perfeitamente, pois Helô jogou a cabeça pra trás, gargalhando alto da minha fala.

Como pode eu me apaixonar ainda mais por essa mulher mesmo ela sendo uma completa canalha?

— Você vai me falir desse jeito, Stênio. — olhou na minha direção com aquele olhar brilhando tanto quanto o meu deveria estar.

— É só não soltar meus bandidos que o seu dinheirinho vai continuar intacto, meu amor. — respondi petulante, esfregando minha boca no seu pescoço em um carinho.

Iniciamos o famoso beija, não beija, que já é característico nosso. Apenas aproveitando pra sentir o outro depois de um dia todo de afastamento, de dúvidas, de questionamentos.

O que importa é que no fim nós conseguimos nos entender, mesmo que isso não signifique que vai ser sempre assim. Em uma relação a dois, sempre haverá desentendimentos, e isso é a coisa mais normal do mundo.

Mas se conseguirmos nos resolver em todas as vezes, terá valido a pena todo o sufoco.

— Você leu o bilhetinho que eu escrevi pra você? — perguntou sorrindo, afastando seu pescoço do meu rosto e olhando diretamente nos meus olhos.

Abri um sorriso ao me lembrar do bilhete que a maldita tinha mandado, que obviamente tinha mexido comigo e me feito ter vontade de voltar naquele escritório e jogar tudo para o alto.

Só sei que eu estou ferrado com essa mulher, porque ela é danada quando quer.

— Meu bem, meu zen, meu mal... — murmurei sorrindo, repetindo o que ela havia escrito no bilhete. — Tá muito romântica essa minha doutora.

Aproximei nossas bocas em um beijo calmo, daqueles que acalentam a alma sem muito esforço. Nossos corpos se entrelaçaram automaticamente, como velhos conhecidos.

Não tinha pra onde correr, o destino já estava traçado.

Eu passaria a minha vida inteira brigando e me resolvendo com a mesma mulher, se fosse preciso. 

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