Acordei primeiro, perto das onze horas. Parecia que Amity tinha passado a noite toda na mesma posição, então conferi depressa para ver se ela tinha morrido (não tinha) antes de sair da cama. Rapidamente, repassei as decisões da noite anterior. Todas pareciam combinar com minhas expectativas em relação a mim mesma — fracote, me coloco em situações ruins para garantir a segurança de pessoas que mal conheço, faço perguntas esquisitas e me arrependo delas depois... Amity Blight estar na minha cama era mesmo uma coisa comum de acontecer com a Luz. O que exatamente eu diria quando ela acordasse?
E aí, Amity? Você está na minha cama, provavelmente não se lembra o motivo. Juro que não te trouxe aqui à força. A propósito, sabe aquele podcast esquisito que você faz para o YouTube? Pois é, basicamente eu ando obcecada com ele há anos.
Imediatamente, desci a escada. Era melhor dar a notícia para a minha mãe antes que ela a encontrasse e pensasse que sua filha estava namorando uma garota, pequena e constrangida sem ter contado para ela antes.
Minha mãe estava na sala de TV, vestindo seu pijama de macacão e assistindo a documentários de resgate de animais. Ela olhou para a frente quando eu entrei na sala e me encolhi do lado dela no sofá.
— Oi, e aí? — disse ela. Segurava um pacotinho de cereal. Enfiou um deles na boca. — Você parece meio cansada.
— Bem... — falei, mas não sabia bem o que dizer depois.
— Você se divertiu na discoteca? — perguntou ela, mas estava sorrindo. Minha mãe fingia não ter ideia de nada a respeito do que adolescentes do século XXI faziam. Além de ser sarcástica com os professores, aquilo era outra coisa que ela gostava de fazer. — Você curtiu? Você badalou?
— Ah, claro, estávamos felizões e tudo — falei, fazendo uma dancinha.
— Ótimo, ótimo. Assim você vai arrumar um bofe.
Ri alto, mais da ideia de um dia eu “arrumar um bofe” em qualquer situação que fosse, mas então, com uma lentidão exagerada, ela apertou o pause no controle remoto, deixou de lado o saco de cereal e olhou nos meus olhos, entrelaçando os dedos das mãos em seu colo como um diretor de escola podia fazer em cima de sua mesa.
— Por falar nisso — continuou —, eu estava querendo saber quem é, exatamente, a bonitinha que está dormindo na sua cama.
Ah. Tá.
— Pois é — falei rindo. — Sim, é uma bonitinha.
— Entrei no seu quarto para pegar a roupa suja e a vi. — Minha mãe abriu as mãos como se revivesse a cena. — Primeiro, pensei que ela fosse um urso de pelúcia gigante. Ou um daqueles travesseiros japoneses dos desenhos que você me mostrou na internet.
— É... não. Ela é de verdade. Uma garota de verdade.
— Ela estava vestida, então imagino que não tenha rolado um pega pra capar.
— Mãe, mesmo quando você usa a expressão “pega pra capar” com ironia, eu sinto vontade de fechar os ouvidos com cola permanente.
Minha mãe não disse nada por um instante, nem eu, e então, nós duas ouvimos uma batida vindo do andar de cima.
— É Amity Blight — falei. — A irmã de Edric e Emira, sabe?
— A irmã dos seus amigos? — Riu minha mãe. — Ah, que coisa, agora estamos nos transformando em uma comédia romântica, não é?
Foi engraçado, mas eu não ri, e a expressão dela ficou séria.
— O que está rolando, Luz? Pensei que você fosse ficar fora até mais tarde com seus amigos. Você sabe bem que merece alguma comemoração de fim de semestre antes de começar a estudar para as provas.
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Em busca de Hecate
Fanfic"Olá. Espero que alguém esteja ouvindo. Estou enviando esse sinal via rádio - muito antiquado, eu sei, mas talvez um dos poucos métodos de comunicação que a Ilha se esqueceu de monitorar -, num pedido sombrio e desesperado de socorro. As coisas nas...