O segredo de Azura

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Meu primeiro episódio de Boiling Isles saiu no sábado, dia 10 de agosto.

Tínhamos combinado que eu faria uma pequena animação para cada episódio, nada muito longo, apenas uma para os vinte minutos. Um gif de quatro segundos, repetindo-se sem parar. O que eu fiz para esse episódio foi a cidade de Ossoburgo, com os ossos do Titã saindo do chão, seus olhos brilhando ao fundo e as estrelas brilhando no céu. Analisando agora, até era bem ruim, mas nós duas adoramos naquele momento, e acho que é o que importa.

Ouvi Amity gravar o episódio na noite anterior. Fiquei surpresa por ela ter permitido. Eu sabia que Amity era mais reservada e calada do que eu, apesar de termos jogado o Just Dance do High School Musical naquela semana e de “dançar”, se é que podemos chamar disso, não parecer algo com que ela faria bem. Amity apresentando um episódio do Boiling Isles era mais pessoal do que qualquer coisa que eu tinha visto ou ouvido antes.

Mas estava tudo bem para ela.

Ela apagou a luz do quarto. As luzinhas acima de nós pareciam estrelinhas e as pontas dos cabelos dela estavam acesas, todas em cores diferentes. Ela se encolheu a sua mesa e mexeu por alguns minutos em um microfone bonito, que deve ter custado muita grana. Eu estava em um pufe, com o cobertor dela me envolvendo porque sempre fazia frio dentro da casa. Eu estava cansada, o quarto era azul-escuro e etéreo e eu poderia ter adormecido...

Olá. Espero que alguém esteja ouvindo...

Ela havia redigido o roteiro no laptop. Repetia frases se as errasse. Enquanto gravava, as ondas de som subiam e desciam na tela do computador. Era como se eu estivesse ouvindo uma pessoa totalmente diferente — não, não diferente, só mais Amity. Amity 100%. Amity sendo ela mesma. Eu estava ouvindo o cérebro de Amity.

Eu viajei, como sempre fazia. Eu me perdia na história, esquecia das coisas.

Todo episódio do Boiling Isles termina com a apresentação de uma música. A mesma música, toda vez — um rock de trinta segundos que Amity tinha escrito chamado “Não nos resta nada” —, mas uma nova apresentação.

Só percebi que Amity ia apresentá-la quando ela pegou a guitarra e a plugou no amplificador. Baterias e baixo pré-gravados começaram a tocar pelos alto-falantes e, quando ela tocou a guitarra, estava tão alto que levei as mãos às orelhas para tampar os ouvidos. Foi como sempre era, mas muito melhor pessoalmente, como mil guitarras, motosserras e trovões, tudo de uma vez, o baixo fazendo a parede tremer atrás da minha cabeça. Ela começou a cantar daquele jeito meio aos berros e eu poderia ter cantado junto, queria ter cantado junto, mas não cantei porque não queria estragar o momento. Eu já sabia a melodia e a letra.

Não nos resta nada mais
Por que não está me ouvindo?
Por que você não consegue me escutar?
A não ser que você esteja vindo
Mas sei que você não está
Então não resta nada

Quando ela terminou, virou-se na cadeira e disse, com a voz baixa de costume, como se eu tivesse saído de um sonho:

— E aí, qual voz? Alta, baixa ou média?

Eram dez da noite. O teto do quarto dela parecia uma galáxia. Ela me contou que o pintou quando tinha catorze anos.

— Você escolhe — falei.

Ela puxou as mangas para cobrir as mãos. Eu estava começando a entender o que aquilo significava.

— Acho que a voz média fica melhor.

Eu disse:

— Hoje é o melhor dia da minha vida inteira.

Ela sorriu.

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