É isso que os amigos fazem?

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— Você fala sozinha? — perguntou Amity. — Em voz alta?

Era fim de julho, as aulas tinham terminado e estávamos no meu quarto. Eu estava no chão, rascunhando ideias para o meu primeiro episódio de Boiling Isles no laptop. Sempre levava meu laptop comigo para a casa dela porque Amity tinha uma coisa estranha de não querer que ninguém usasse seu laptop. Ela brincava dizendo achar que sua mãe o vasculhava em segredo enquanto ela estava na escola, e que isso a deixara paranóica. Eu achava bem justo — não ia querer que ninguém visse meu histórico de navegação, nem mesmo a Amity. Algumas coisas realmente precisavam ser mantidas em segredo.

Ela estava sentada na cama, escrevendo o roteiro e o sol brilhava com um feixe de luz no tapete.

— Hum... às vezes — falei. — Falo. Se não houver ninguém por perto. Acontece por acidente.

Ela não disse nada, então perguntei:

— Por quê?

Ela parou de digitar e olhou para a frente, apoiando o queixo em uma das mãos.

— Eu estava pensando, dia desses... a respeito do fato de eu nunca falar sozinha. Pensei que podia ser normal, mas aí me perguntei se, na realidade, era estranho.

— Eu achava que falar sozinha era esquisito — falei. Minha mãe havia me flagrado fazendo isso várias vezes e riu de mim.

Nós duas nos entreolhamos.

— E aí, quem é a esquisita? — perguntei, sorrindo.

— Não sei — disse ela, dando de ombros. — Às vezes, eu acho que, se ninguém falasse comigo, eu nunca mais falaria.

— Isso parece triste.

Ela hesitou.

— É, sim.

Tudo com Amity era divertido ou bom. Normalmente, as duas coisas.

Começamos a perceber que nem sequer importava o que fazíamos juntas, porque sabíamos que, se estivéssemos juntas, nos divertiríamos.

Comecei a me sentir menos envergonhada em relação a todas as coisas esquisitas que fazia, como repentinamente cantar músicas sem nenhum contexto, ou aquela vez em que comecei uma conversa por mensagens sobre os motivos pelos quais queijo era comida que durou quatro horas.

Jogávamos videogames ou jogos de tabuleiro, assistíamos a vídeos no YouTube, a filmes ou a programas de TV, assávamos bolos e biscoitos ou pedíamos comida.

Só podíamos fazer coisas na casa dela quando a mãe não estava, por isso, na maior parte do tempo, ficávamos na minha casa. Tentei aprender a tocar violão com o violão dela, mas desisti porque era péssima. Ela me ajudou a pintar um mural de uma paisagem noturna da cidade na parede do meu quarto. Assistimos a quatro temporadas de The Office. Ficávamos no quarto uma da outra com os laptops no colo; caíamos no sono a qualquer hora do dia; eu sempre a convencia de que era uma boa ideia fazer sessões de Just Dance; descobrimos que éramos muito apaixonadas por Banco Imobiliário. Eu não fazia lição de casa quando estava com ela. Ela não lia nenhum texto da faculdade quando estava comigo.

No centro de tudo isso, estava Boiling Isles.

Começamos a rascunhar coisas para a arte do vídeo e a colar todas as nossas ideias na parede do meu quarto, mas havia tantas ideias que demoramos tempo demais para nos decidir em relação a qualquer coisa. Amity havia começado a me pedir conselhos enquanto planejava episódios futuros e a me dar spoilers, e eu me sentia tão pouco merecedora que quase pedi para ela parar. Quase.

— Acho que isso não está dando certo — falei, depois de termos permanecido em silêncio por um tempo, rascunhando e digitando. Amity olhou para mim e eu me afastei para mostrar o que estava desenhando no Photoshop: uma paisagem da Boiling Isles, com o crânio do Titã ao fundo e as ruas curvas de Ossoburgo. — Acho que as formas estão erradas. Tudo está pontudo e quadrado demais, está muito bidimensional.

Em busca de Hecate Onde histórias criam vida. Descubra agora