Relato

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Rodolffo olhava para ela enquanto comia e deixando o seu prato intacto.

- Você não vai comer?  Vai ficar só olhando para mim?

- Desculpa.  É que nunca vi ninguém com tanta fome.  Come devagar.  Não tenhas pressa, podemos ficar o tempo que for necessário.

- É.  Issssto essssstá muuuuiiiito bom.

Rodolffo sorriu ao ouvir o comentário dela enquanto enfiava o garfo cheio várias vezes na boca.

Ao longe o gerente observava e abanava a cabeça.  Rodolffo percebeu.

Depois dela estar saciada, Rodolffo perguntou se ela queria sobremesa e pediu dois petits gateaux.  Juliette já reconfortada,  saboreou cada pedaço do bolo enquanto fechava os olhos.

- Uhmmm!! Que delícia.

Rodolffo olhava para ela.  Algo no seu íntimo ficou abalado ao ver a língua dela passar uma e outra vez pelos lábios limpando o chocolate.

- Obrigada pela refeição,  moço.

- Rodolffo.

- Obrigada,  Rodolffo.

- Queres contar-me um pouco da tua vida?

- Não tem muito para saber.  Tenho 32 anos e caí no conto do vigário.

- Como?

Fiquei sem pais aos 15 anos e desde essa data eu me viro sózinha.  Trabalhei, estudei, com muita dificuldade fui para a Universidade.

Tinha a casa que os meus pais deixaram e vivia feliz até conhecer um sujeito por quem me apaixonei.

Tinhamos uma relação de poucos meses e eu logo engravidei.  Não foi planeado, mas aconteceu.  Eu estava no último ano do meu curso.  Não foi fácil a minha vida académica por ter que trabalhar.
Eu não conseguia completar as cadeiras todas num ano e optava por fazer faseado.

Quando engravidei vi o carácter do meu companheiro mudar completamente.   Ele já morava comigo na minha casa.  Saía todo o dia, dizia ele que ia trabalhar, mas eu nunca vi um centavo do dinheiro dele.
Ele dizia que tinha dívidas antigas e todo o salário era para quitar as dívidas.   O meu salário é que nos sustentava.

Eu estava no quarto mês de gestão quando um dia ele me apresentou uns documentos para eu assinar.

- Preciso que testemunhes que eu resido aqui.  Vou comprar um carro.  Decidi trabalhar como motorista de aplicativo.

Eu ia ler os documentos mas fui acometida de uma dor de cabeça enorme.  E pedi para ele deixar que eu assinava depois.  Ele gritou porque precisava entregar urgente os documentos e eu assinei sem ler.

Um mês depois ao regressar do trabalho eu tinha a minha mala na porta.  O documento que eu assinei transferia a propriedade da casa para ele.  Eu estava na rua com uma mala e um filho na barriga.

Implorei pela criança, mas ele não teve um pingo de compaixão.   Entrámos numa briga feia e eu fui posta na rua.

Segurei a mala e fui caminhando.  Senti-me mal e sentei-me no chão.   Acordei no hospital e tive a mais triste das notícias.   Tinha perdido o meu filho.  Era um menino.
Chorei 3 dias seguidos e quando me deram alta eu só tinha um pensamento:  seguir o meu bébé.
Caminhei em direcção ao rio e atirei-me, mas não era a minha hora.  Um homem já com alguma idade, estava à pesca, viu a cena e socorreu-me.

Nos primeiros tempos deambulei pela cidade.  Eu não tinha consciência de nada.  Quando percebi era uma sem abrigo.  Durmo aqui e ali e como o que caridosamente me dão.

- E o teu antigo emprego?  Não tinhas amigos?

- Não quis procurar ninguém.  A minha dor era superior à razão.  Hoje eu procuro um emprego mas ninguém emprega pessoas que não têm morada.  Também não busco os antigos contactos por vergonha.

CalmaOnde histórias criam vida. Descubra agora