MONSTRO DO ARMARIO

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HIV. Não tinha escolha. Era viver ou morrer e sinceramente eu prefiro viver com o HIV do que morrer. Ter HIV não significa ter AIDS. No mundo de hoje ainda existe esse preconceito. Eu posso viver com o vírus por anos e estar sempre acompanhando com o médico. E com o PEP sexual Ralf pode diminuir bastante as chances dele também pegar o vírus. No fim das contas eu não queria admitir, mas sentia muita falta de minha mãe. Sabe quando você está passando por um momento difícil em sua vida, está triste, parece que o mundo conspira contra você, mas você tem aquela pessoa com quem você pode contar? Minha mãe com certeza não é essa pessoa, mas ela é da família. Não entendo porque ela tinha mudado tanto comigo.

Minha cirurgia estava marcada para ás nove horas da manhã do dia seguinte e eu estava ansioso e nervoso. Existia um grande risco de não dar certo e eu acabar morrendo na mesa de cirurgia Eu assinei todos os papéis necessários e a médica me explicou os riscos. No fim eu assinei a Ordem de Não Ressuscitar. Isso significa que se eu tiver uma parada cardíaca durante a cirurgia ou durante a recuperação eles não podem me ressuscitar. Eu cansei. A vida tem me enviado mensagens a um bom tempo e era hora de escutar. As vezes é hora de desistir.

- quando você sair do hospital nós vamos arranjar um lugar só nosso. Assim que você estiver cem por cento eu vou arranjar um emprego e você vai arranjar um emprego e nós vamos ter uma vida patética e sem graça. Sem acidentes, roubo de órgãos e sem venenos – falou Ralf tentando me animar. O relógio marcava pouco mais das onze da noite.

- uma vida patética parece ótima – falei rindo sem graça. Não tinha muita esperança de que eu fosse sobreviver.

- você não quer morar comigo? – perguntou Ralf.

- quero, quero é que... você fica fazendo planos e eu não estou muito seguro de que teremos um futuro para planejar.

- eu já disse para você parar de ser pessimista.

- não posso evitar. Não sinto muito animo para ser otimista. Não tenho forças pra quase nada a não ser ficar aqui nessa cama deitado. Eu já estou com ódio desse hospital.

- eu acho muito legal seu ex namorado te doar um rim – falou Ralf.

- não fique muito animado não. Ele só está fazendo isso porque se sente culpado. Ele fez algumas coisas horríveis comigo, mas eu tenho uma parcela de culpa. Eu fiz as mesmas coisas antes de perder a memória.

Ralf apagou a luz do quarto e agora tudo o que iluminava era a luz da TV. Ele não tinha permissão para dormir na cama como o paciente, mas Ralf não ligava. Ele se deitava e me puxava para junto dele. o calor do seu corpo me ajudava a dormir.

- pois é – falei respirando fundo – o que eu mais vou sentir falta é dos seus beijos. Eu nunca acreditei que pudesse amar alguém e não sabia o que era amor até você me beijar.

- eu também – falou Ralf – seus beijos são macios – falou ele com um meio sorriso tímido – Mas não se anime. Você vai ter Ralf á balde quando sair desse hospital.

- vou sentir sua falta quando me for.

- Você não vai a lugar nenhum. Seja lá onde você for eu vou com você – falou Ralf dando um beijo no canto do meu nariz. Sua barba me fazia cócegas todas as vezes.

- queria ver minha mãe antes da cirurgia. Caso eu acorde – falei tremendo os lábios. Meu coração apertou porque me lembrei de algo.

- o que foi? – perguntou Ralf preocupado.

- é que me lembrei de uma coisa... - falei tentando não desmoronar.

- o que foi?

- meu pai estaria completando cinquenta anos essa semana.

Deus AmericanoOnde histórias criam vida. Descubra agora