7. A SOMBRA EMBAIXO DA PORTA

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Depois de eu muito vagar pelo vazio das sombras, a enorme câmara parece começar a se contrair e retomar a forma do túnel estreito por onde entrei mais cedo. Não sei dizer como isso acontece; eu apenas sinto a superfície sobre mim ficar mais e mais baixa, como naqueles filmes em que as pessoas ficam presas numa sala com as paredes se fechando, e passo a me arrastar pelo pequeno espaço com as costas arqueadas.

Minha cabeça gira e me deixa tonto com várias interrogações. Não dá para acreditar que alguns minutos atrás eu estava em outro mundo — teoricamente o mundo sobre o qual meu pai escreveu em seus livros.

"No fim, tudo volta a sua origem", ele tinha o costume de falar, geralmente depois de fechar um livro que acabara de ler. "Eis a melhor maneira de finalizar uma história: pelo começo." Ele dizia coisas nesse estilo com constância, até quando não tinha ninguém por perto para ouvir. Segundo ele, era porque gostava de pensar em voz alta — ao entoar seus pensamentos numa fala, ele sentia que estava dando vida a eles.

"Não entendo o que significa", tomei coragem para desabafar numa certa tarde de domingo, quando eu tinha 6 anos. Nós dois estávamos na sala. A mamãe dormia no quarto, vítima de uma gripe violenta. Eu estava no chão, sentado com as pernas cruzadas, segurando meu pterodáctilo de brinquedo. Papai permanecia confortável em sua poltrona de couro. Ele olhou para mim por cima dos óculos de leitura, os lábios formando uma curva ligeira, e disse:

"Uma boa história sempre começa com uma pergunta e termina com a resposta", e ergueu as sobrancelhas em um desafio.

Meu pai era um devoto fiel dessa metáfora e a carregava para além da ficção, mas não compartilho de sua mesma fé. Como poderia, tendo ele partido e me deixado com essas interrogações chatas?

Acho que nunca conheci meu pai de verdade. Talvez sua mania de pensar em voz alta fosse uma consequência de esconder segredos.

Sinto que tenho todo o tempo do mundo para meditar sobre qualquer tipo de coisa. Fico pensando, divagando, refletindo. Ocorre-me, de forma não intencional, que não são as nossas vontades que definem o que somos. O que escolhemos fazer com essas vontades — permitir que elas exerçam poder sobre nós ou tomar-lhes as rédeas — revela nosso verdadeiro eu. Não sei de onde esses pensamentos vieram, mas não os elimino. Aposto que é o meu subconsciente tentando fazer eu me sentir culpado por ter voltado de Halel quando tudo o que queria era ficar mais tempo lá, ir até o Bosque de Verão e compará-lo com o bosque dos meus sonhos. Eu não preciso de muita ajuda para me sentir culpado.

E por que voltei?

Não sei. Não sei mesmo. Meus tios só teriam uma preocupação a menos se eu desaparecesse para sempre. Estava mais preocupado com a família de Nim do que comigo — eu não poderia sobrecarregá-los ainda mais com o sustento.

Poderia ter ido à tal Cidade das Roseiras e encontrado uma pousada em que ficar... Mas não tinha dinheiro comigo, e de jeito nenhum permitiria que Nim ou o pai pagasse minha estadia.

Ainda não era hora de ficar.

O que me consola é saber que Nim estará esperando por mim quando eu retornar a Halel — por favor, que o tempo de um dos extremos do universo não avance muito mais do que o do outro. Tenho vontade de dar meia-volta neste exato instante, saltar até o barranco de novo e correr para o chalé dos Jansen. Mas já cheguei muito longe, e não é bom voltar atrás em suas palavras. Eu disse que precisava resolver coisas importantes, não é?

O túnel se abre em ranhuras que correm pelo fundo da cúpula da entrada da caverna, e eu torno a ficar de pé. Percebo, com fascinação, que minhas roupas estão secas — é como se nunca tivessem sido afogadas naquele lago. Visto meu casaco depressa, meu corpo clamando por calor.

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