17. RECUPERAÇÃO

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— Ele está acordando! — escuto uma voz aguda exclamar, o som embargado como se eu estivesse submerso em água.

Pisco uma, duas, três vezes antes de enfim conseguir sustentar as pálpebras. Assim que a teia de meus cílios se abre, eu vislumbro, através de uma névoa turva, três silhuetas humanas desfocadas em torno de mim, os rostos baixados até bem perto do meu. Embora nenhum dos rostos me seja estranho, identifico um primeiro que os outros graças ao cabelo cor de ouro.

— Nim... — Franzo a testa ao pronunciar o nome e notar que minha garganta está assustadoramente seca. — O que aconteceu?

Nim trinca o queixo quadrado e aperta os lábios, repuxando um pouco a pele branca como leite — cujo único destaque de cor são as olheiras arroxeadas que contornam a base dos olhos, olheiras que eu tenho certeza de que não estavam ali na última vez que eu o vi — sobre as maçãs proeminentes do rosto.

— Você matou vários morcegos distendidos, depois foi pego por um e quase morreu quando ele o deixou cair em cima do vagão de bagagem — responde ele, suspiroso e com o olhar vago. — Foi isso o que aconteceu.

Rolo os olhos para os outros dois rostos presentes. São rostos que eu não esperava ver aqui, agora (seja lá onde e o que for o aqui e o agora), mas esboço meu melhor sorriso de simpatia para eles.

— Oi, Mei. Oi, Chen.

— Oi, Isaac — dizem os primos Huang, Mei em um tom ansioso e Chen em um tom gentil. — Como está se sentindo? — pergunta-me Mei, os olhos brilhando, os lábios estendidos num sorriso largo.

— Um pouco... tonto, eu acho.

— Isso é por causa dos sedativos. Mas está com dor?

— Hum, não sei...

Faço um teste. Flexiono os dedos das mãos — o.k.

Flexiono os dedos dos pés — o.k.

Tombo a cabeça de leve para o lado — ai.

— Me deixem adivinhar, eu bati a cabeça mais uma vez? — Faço uma careta.

— E com força — responde Nim, sorrindo um sorriso vazio, o queixo ainda retesado.

— Eu devo ser muito cabeça dura para ainda estar vivo — rio comigo mesmo. É preferível se divertir com sua desgraça do que sofrer com ela. — Onde nós estamos?

— No hospital.

Espio as paredes brancas e o teto com lâmpadas fluorescentes. A janela na parede à direita está com as persianas verticais fechadas, mas por entre as brechas eu consigo ver que é noite lá fora.

— Então, apesar de tudo, conseguimos chegar ao Bosque de Verão.

— Sim, dois dias atrás — responde Nim.

— Dois dias? — repito, embasbacado. — Estou dormindo há dois dias?

Mei pousa a mão delicadamente em minha bochecha.

— Você precisava muito descansar, gatinho. Sofreu uma queda e tanto. Se Nim não estivesse lá para amortecê-la, você estaria morto agora.

Encaro Nim.

— Amorteceu a minha queda?

— E ganhei uma clavícula fraturada em duas partes. — Ele aponta para seu braço esquerdo, que está envolto numa tipoia ortopédica. — Lamento informar que mesmo tendo deixado você quase arrancar o meu braço, não consegui impedi-lo de bater a cabeça no teto do vagão. Você ficou apagado desde então.

Enquanto ele fala, presto atenção em como não está com a melhor das aparências. Tanto sua expressão como sua postura, com as pálpebras pesadas e os ombros arriados, exprimem cansaço. Não deixo de reparar que ainda está com as mesmas roupas de dois dias atrás, embora devam ter sido lavadas para não haver um só respingo de sangue de morcego nelas. Os primos Huang também não mudaram o vestuário: Mei continua com a blusa cinza de Stranger Things, o moletom vermelho e os jeans com rasgos nos joelhos, e Chen... não tenho certeza, mas acho que ele usava esse mesmo suéter e esses jeans jogger quando o conheci na estação de trem.

Neblina - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora