9. ÁRVORE GENEALÓGICA

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Volto-me para a lápide na qual a garota estava escorada. O nome entalhado na peça de mármore branco é Geraldine Cotton, e acima dele há uma foto em preto e branco de uma mulher com uma expressão mais do que séria — seu olhar é dolorido, os lábios caindo dos dois lados como se houvesse um peso amarrado a eles. Pergunto-me se a garota ruiva tem algum parentesco com essa mulher. Se sim, existe uma chance de seu sobrenome ser Cotton. Fico tentando pensar em primeiros nomes que combinem — Alice Cotton, Violet Cotton, Khrist Cotton, Amanda Cotton, Erin Cotton... As opções são infinitas. Quem dera fosse possível descobrir a identidade de uma pessoa assim.

Arrasto-me na neve até ficar no mesmo lugar em que a garota estava. Tento não pensar que minhas costas estão apoiadas na lápide de uma mulher desconhecida que morreu há tempos; tento não pensar que, sete palmos abaixo de mim, está um corpo em estado avançado de decomposição; tento não pensar na tremenda falta de respeito que é estar sentado em seu túmulo; tento não pensar nessas coisas e fracasso miseravelmente.

Pulo rápido e murmuro um pedido de desculpas desajeitado para a dona do túmulo, logo pensando em como sou ridículo por falar com alguém que nem sequer está mais aqui para me ouvir.

E como não tenho nada melhor para fazer, exploro o cemitério — não que haja muito a ser explorado aqui —, tão entediado que chego a bocejar várias vezes, os olhos ardendo e lacrimejando com o frio, mas não desisto de investir em minha tentativa de passatempo. Aponto a câmera para as árvores idosas do local e para os poucos anéis de fadas que por um milagre não estão totalmente invisíveis sob a camada de neve.

Mas não importa para que lado eu olhe, não consigo evitar esperar reencontrar a garota ruiva em toda sua perfeição desfilando por entre as lápides outra vez, só que na minha direção, não na contrária; nem que fosse só para perguntar o motivo de sua saída brusca dez minutos atrás, nem que fosse só para contemplar sua beleza por um pouco mais de tempo.

Está calmo demais aqui.

Como se pudessem ler minha mente, as árvores assentem positivamente em concordância, manipuladas por uma rajada de vento frio. Ergo os olhos para as colinas que circundam a cidade e expiro longamente. Sinto-me no limite deste mundo — estou longe de tudo, longe de todos, olhando para uma imagem congelada dentro de uma moldura. Penso no assunto e concluo que sim, estou no limite do mundo, pois já tive uma quota aceitável de experiências humanas comuns, desde as alegrias singelas da vida até as cinzas do luto, e não faz sentido permanecer num lugar ao qual sinto que não pertenço mais — até porque, se atravessei para o outro extremo do universo há dois dias e se somente pessoas escolhidas pelo Criador podem entrar em Halel, como toda a família de Nim afirmou, quer dizer que eu fui escolhido.

Não fui parar em Halel por acaso. Fui porque devia ir.

Com isso em mente, conto de um até cem e vou embora do cemitério. Olho de um lado para o outro na rua, que está totalmente vazia, e ando até a Casa dos Horrores. Conforme me aproximo, ela parece se levantar do meio das árvores feito um monstro muito velho e muito lento. Finjo não ligar para ela e adentro o espaço à direita, despontando no jardim.

Não paro. Meus pés encontram a calçada de tijolos laranja e continuam até a quadra de tênis. Atravesso-a e entro na floresta.

O resto do percurso demora um pouco mais para ser trilhado. Guio-me a partir de árvores que me soam familiares graças a seus galhos retorcidos inconfundíveis até chegar ao ermo mais afastado, muito longe do terreno da casa. Mais alguns minutos de trilha e meus olhos reencontram a caverna esparramada, um sorriso infantil se escancarando no meu rosto instantaneamente.

Tropeço e afundo na neve várias vezes enquanto tento correr o mais depressa possível até a entrada. Seguro-me em uma das extremidades rochosas e me puxo para dentro da cúpula, uma montanha de neve deslizando junto comigo até atingirmos o chão da caverna. Faço força nas pernas para me reerguer, já me sentindo mais animado só por estar aqui, o lugar onde tudo começou, a origem. Voltei.

Neblina - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora