13. MEMÓRIA ANTIGA

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Seguimos quase na mesma direção de mais cedo, o que me deixa um pouco apreensivo — e se passarmos perto do local onde Bruce deu vida àquele girassol gigante? Não sei qual seria a reação de Nim se ele o visse, mas não estou com vontade de testar a possibilidade.

— Devíamos estar indo por aqui? — pergunto sugestivamente a Bruce quando Nim parece distraído o bastante com os próprios pensamentos para não notar que me afastei dele.

— Anna cuidou de tudo. Pode ficar tranquilo.

Anna pisca um olho para mim, seu braço esquerdo entrelaçado no de Bruce. Olho em volta, já reconhecendo a área, e meus olhos apreendem uma rala nuvem de fumaça pairando por entre o pequeno círculo de árvores cujo centro está ocupado por um toco grosso chamuscado da altura de um hidrante. Nim percebe que estou olhando para alguma coisa e vira o rosto para ver o que é, mas detenho-o no último segundo.

— Ei! — Dou passos rápidos até meu ombro esbarrar no dele. — Tenho que contar uma coisa muito importante.

— Outra? Está se superando hoje. — Ele levanta uma sobrancelha. — O que foi?

Boa pergunta. Qual é a coisa importante que tenho para contar?

— Eh... droga, eu me esqueci. Estava na ponta da língua há apenas uma fração de segundo... — Por favor, que minha performance esteja saindo melhor do que minhas palavras.

Nim sacode a cabeça.

— Você é estranho.

— Já me disseram isso.

Noto, logo que nos encontramos sob a sombra de um enorme bordo com os galhos estirados para o alto — verdadeiros braços de madeira segurando folhas vermelho-cereja nos dedos finos —, que o chão terroso, cheio de flores e folhas coloridas, começa a se elevar. Isso fica mais evidente por conta dos degraus de pedra que surgem do meio das pétalas de flores conforme avançamos. Não é bem uma escada, pois os degraus só devem sobrepor-se um ao outro uns dez centímetros e conduzem-nos para a frente ao invés de para cima ou para baixo, mas são bem largos, o que permite que nos dirijamos sobre eles em pares, com somente uma exceção.

— Pelo amor de Elim, alguém pode me ajudar? — vovó Lourdes rezinga atrás de nós. — Meus joelhos não são os mesmos de trinta anos atrás. Caso tenham esquecido, eu sou mais velha do que todos vocês juntos.

— Quanto drama, você só tem setenta e nove — diz Nim, oferecendo-se para acompanhá-la. Agora sou eu que fico sem par.

Depois de uns cinquenta metros, há um espaço no bosque, uma pequena clareira ocupada pela devida Catedral Primaveril. Os degraus delongam-se em frente feito dominós e param na entrada, que consiste de um arco de pedra em formato oval. À medida que nos aproximamos, outros detalhes são atraídos por meus olhos: as janelas envidraçadas com grossos blocos de pedra servindo de peitoris, as torres pontudas como que de um antigo castelo vitoriano e as duas estátuas de mármore posicionadas paralelamente ao lado do arco da entrada, sobre pódios cilíndricos. A estátua da esquerda é de um cordeiro com o rosto voltado para baixo; a da direita, de um leão com o rosto erguido.

— Esse lugar parece ter uns cem anos — comento.

— É mais ou menos por aí mesmo, meu bem — diz vovó Lourdes. — Essas catedrais foram construídas por Dalen, o Intrépido, nos primeiros anos de seu reinado.

O nome não me é estranho. Devo ter corrido os olhos por ele em um dos livros do meu pai.

Passamos pelo arco de pedra e Bruce empurra a porta dupla com vitral para que entremos. Minha atenção é rapidamente roubada pela luz do sol que invade os vitrais coloridos — formados a partir de círculos de vários tamanhos — nas imensas janelas que ocupam as paredes quase em totalidade. Devido às cores do vidro, a luz irradia em tons amenos de azul, roxo e vermelho. Longos bancos de madeira estão espalhados pelo local. Estão, como tudo mais aqui, envelhecidos, com seus muitos anos de vida perceptíveis nas ranhuras profundas. Aproximo-me de um deles, o último da fileira da esquerda, e passo a mão pelo encosto. A superfície é fofa e empolada.

Neblina - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora