23. UM FAROL NO CREPÚSCULO

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Acordo num sobressalto, puxando o ar pela boca. Meus olhos encontram a escuridão e eu levo a mão ao pescoço como se tentasse me livrar de uma serpente enroscada nela, mas meus dedos só sentem a pele suada.

Empurro os pesados lençóis de linho e salto da cama, quase batendo a testa em uma das colunas do dossel. Buscando equilíbrio, vou até a janela. Com um movimento brusco, escancaro as cortinas, e as estrelas me cumprimentam cintilantes no céu. A luz inunda o quarto e me afoga em seu oceano translúcido. Respiro fundo, deixando que o oceano me preencha.

A janela é larga, com barras paralelas inclinadas que se cruzam formando losangos, e possui um banco acoplado. Sento-me ali, com as pernas esticadas, encosto as costas na parede e descanso as mãos nas coxas. Tento me lembrar do sonho que eu estava tendo e que me furtou o sono. Apenas alguns poucos detalhes dele ainda permanecem flutuando por minha mente — folhas espiralando num vórtice de ar, mãos erguidas para o alto com água e fogo fluindo de cada uma das palmas como nascentes antagônicas —, mas, quando tento juntá-los, o resultado é incoerente e nada preciso. É como unir pedaços rasgados de um desenho feito por uma criança.

Você não foi feito para entender.

Meus olhos ardem, meu peito dói e meu estômago se revira, tudo ao mesmo tempo. É irritante pensar que, depois de tudo, ainda é necessário conviver com a bagunça da minha cabeça. Esses pensamentos, essas vozes. Elas nunca têm fim. Vêm e vão quando bem entendem como se fossem ondas, nem um pouco preocupadas com minhas tentativas de domá-las. Sabem que não sou capaz disso.

Só se pode domar o que lhe pertence.

Esgotado, me dou por vencido e não mais luto contra as vozes. Não dessa vez. Quero ouvir o que elas têm a dizer. Fecho os olhos e me concentro nelas.

Pensa que sabe de alguma coisa? Você não sabe de nada.

Você é um nada, e vai morrer igual aos seus pais.

O que está fazendo, Isaac? Por que ainda está aqui? Por que ainda se importa?

Não entende que isso é muito maior do que você?

Não acredite no que Joshua disse. Você não tem salvação.

Não pertence a esse lugar. Não pertence a lugar nenhum.

A melhor coisa que pode fazer é desistir de tudo, desistir de si mesmo.

Desista, Isaac.

Desista.

Desista.

Desista.

Com um zumbido agonizante ondulando por meu canal auditivo, ergo o corpo e meus pés me conduzem pelo quarto. Sei que é impossível fugir das vozes — elas estão incrustadas em meu cérebro como sanguessugas —, mas ao menos posso afugentá-las até que voltem a hibernar.

Saio do quarto, meus pés vagando pelo carpete macio que cobre todo o corredor, e bato o punho na porta à frente. Dois minutos depois, Nim surge sob o umbral, o cabelo ainda mais desgrenhado que de costume. Está vestido com o mesmo pijama de algodão que eu, e penso que ele também deve ter se deparado com as peças de roupa em cima da cama quando Giuseppe nos levou a nossos respectivos quartos. Em Nim, a camisa do pijama ficou um pouco mais apertada, de modo que mal chega à sua cintura e as mangas estão grudadas nos músculos dos braços. Ele me olha sem expressão, as pálpebras bem sustentadas indicando que ainda não pegou no sono.

— Está tudo bem? — pergunta.

— Posso ficar um pouco aqui?

Ele se afasta da porta para me dar passagem. Entro no quarto escuro, localizo a janela e abro as cortinas. A configuração do quarto é idêntica à do meu, só que ao contrário, como num espelho.

Neblina - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora