8. DETALHES

38 2 0
                                    

Na verdade, acho que não há grandes diferenças entre a vida e a morte. Estar vivo quer dizer que você ainda está respirando e andando sobre a terra, estar morto quer dizer que você está andando em outro lugar. Mas eu não estou morto, só estou sonhando. Sei disso porque, para início de conversa, estou de volta ao Bosque de Verão, sentado à beira do rio, com as pernas balançando na direção das águas agitadas — onde os peixes pequenos nadam, pulam e fogem dos peixes maiores —, e meu pai está sentado ao meu lado.

À primeira vista, ele parece sereno, calmo, sem preocupação alguma. Os lábios grossos, tão parecidos com os meus, se movem relaxadamente enquanto ele cantarola Again numa voz aveludada de barítono.

Outra vez, isso não poderia acontecer outra vez.

Esse é aquele tipo de coisa que só acontece uma vez na vida.

Essa é a divina emoção.

Não digo nada a princípio, por respeito, ou quem sabe por medo de estar vendo-o depois de ele ter morrido. De qualquer forma, espero até que ele tenha concluído sua cantoria para perguntar:

— Por que estamos aqui agora?

Ele não me responde de imediato. Antes, olha para trás por cima do ombro, e por reflexo faço o mesmo. A visão me deixa deslumbrado: o sol, começando a se levantar gloriosamente por detrás das árvores, lança riscas róseas pelo céu, enquanto o passaredo compõe a trilha sonora do amanhecer.

— Nós sempre viemos aqui — diz meu pai finalmente, ainda com os olhos fixos no nascer do sol atrás de nós.

— Nós, não. — Viro o rosto para ele. — Eu sempre vim aqui.

— Eu estava com você.

— Não. — Balanço a cabeça, firme em minha negativa. — Você nunca esteve aqui.

Ele dirige o olhar a mim pela primeira vez, a expressão pragmática.

— Se estou aqui agora, é porque já estive aqui antes.

Cruzo os braços sobre o peito, ficando impaciente. Ele está errado, e sabe disso; ninguém jamais esteve comigo no Bosque de Verão, e, se for para contar presença, eu nunca vi um único ser humano nesse lugar. A única companhia que tinha por aqui era a dos animais.

— Tá bem, então... O que você está fazendo no meu sonho agora?

Ele sorri quando digo a palavra sonho e desvia o olhar de volta à aurora.

— Preferiria que eu não estivesse aqui? — pergunta ele de forma capciosa.

— Não é isso. — Estalo a língua contra os dentes. Nunca foi fácil conversar com o meu pai quando ele estava vivo. Eu não esperava reencontrá-lo, mas agora que reencontrei, vejo que nada mudou em seu modo de falar. — E a mamãe? Por que ela não está com você?

Ele fica com uma expressão sinistra, o lampejo tonificado dos primeiros raios de sol contrastando com seu rosto, revelando marcas que eu nunca percebi que ele tinha, deixando-o com a aparência de alguém muito mais velho.

— Acho que ela não pertence a este lugar — balbucia ele em tom conclusivo.

Encaro o rio. Essa é a primeira vez em dois longos meses que eu volto a sonhar com o Bosque de Verão. Sempre achei que esse lugar fosse fictício, que tivesse sido criado a partir de um desejo secreto que eu mesmo pouco entendia. Um refúgio feliz, por assim dizer. Um escape da crueza da realidade, um lugar onde eu podia me aventurar como uma criança eterna. Contudo, não estou sentindo aquele prazer que costumava sentir em meus sonhos antigos. Me sinto incomodado, como se alguém estivesse me observando, mas não meu pai — outra pessoa, um observador imparcial. Alguém do outro lado do espelho.

Neblina - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora