13 de abril de 2015
Apresentei-me no R.H da filial da zona sul, comunicaram-me o andar no qual eu trabalharia e me apresentaram ao meu novo gerente. Um sujeito metido a arrogante com cara de coach guru do sucesso em desempenho. Pelo menos foi a impressão que ele me passou após duas horas apresentando a filial e falando do quanto ele era bom em obter os melhores resultados e que se um dia eu quisesse ser gerente o quanto eu teria que ralar, que dali a um ano ele pretenderia chegar ao cargo de sei lá o que júnior... Deixei de ouvir depois que percebi que ele estava tentando me intimidar com toda aquela conversa fiada. Passar algum recado que juro não ter entendido qual era.
Conheci a nova equipe e cara, que saudades da equipe antiga, ainda que eu conversasse apenas o básico. De resto, era tudo igual, ligações e mais ligações, algumas musiquinha quando alguém batia a meta de vendas ou alguma meta em equipe, gente estalando os dedos para chamar o gerente para confirmar a venda e essa loucura toda que é o departamento de telermarketing.
A cada meia hora o gerente passava pela minha baia e me perguntava como estavam minhas vendas. Infelizmente me colocaram no setor de vendas em vez do setor de retenção e, não sei exatamente o porquê, minha meta do dia era o dobro das dos demais. Não quis reclamar, porque era capaz dele aumentar ainda mais meus números. Eu tinha apenas quatro horas restantes para realizar trinta vendas, já que meu número até aquele momento era de zero vendas. Ele fazia questão de mostrar isso no telão para todos verem e pelo que entendi, ele meio que colocava um número zero em neon pendurado em cima da baia de quem não tinha vendido nada. Era constrangedor, mas como ninguém reclamava no R.H, o assédio era visto como uma coisa normal, apenas para incentivar a galera a querer bater as metas de vendas.
Mais duas horas haviam passado e o zero ainda estava na minha baia, os risinhos e olhares de zombaria começaram a ser mais ostensivos e bem, não posso dizer que não me importava com aquela palhaçada toda. Fiquei me perguntando se o nível de absenteísmo e funcionários doentes nesta filial não seriam altos, foi pensando nisso que ouvi o apito do gerente soar para anunciar o fim do segundo terço do turno.
Pelo que entendi, o Gabriel dividia a jornada de seis horas em três terços e contabilizava as vendas a cada duas horas, ao fim de cada turno ele apitava e falava quanto faltava para bater a meta, mesmo que isso fosse mostrado no telão com o ranking das vendas. Era uma maneira de pressionar o pessoal. Logo após o apito ele falou bem alto na frente das baias.
— É, Luiza, parece que o novato superou você – falou enquanto caminhava na minha direção e apertou o botão atrás do número zero, o número todo se iluminou e começou a piscar, e eu que achava que a coisa não poderia ficar pior – Hoje você conseguiu vender três até agora. Pode comemorar, não é mais a lanterna do grupo.
Observei que a tal da Luiza tentava se esconder envergonhada atrás da divisória enquanto o restante ria e bata palmas.
— Vamos lá gente, vamos levantar as mãos e transmitir a energia das vendas para o novato – após ele dizer isso, todos levantaram as mãos e começaram a bater os pés no chão, algo que me lembrava as torcidas organizadas de estádio de futebol.
— Vende! Vende! Vende! Vende! Vende! Vende! – gritavam num ritmo que ia aumentando junto com as batidas de pés no chão – Vende! Vende! Vende! Vende! Wooooooooooooooooooooow! VAI VENDAS!
Todos começaram a gargalhar e voltaram para suas ligações de vendas. Gabriel chegou por trás, me deu dois tapinha nas costas e disse.
— Se você não conseguir vender agora, não vende mais hoje – o olhar dele era de reprovação e por mais que aquela gritaria toda parecesse incentivo, para mim soou mais como zombaria. A Luiza deu fez um breve aceno para mim e tinha um sorriso que demonstrou um pouco de compaixão, ela foi a única que não participou daquela demonstração bizarra e compreendi que ela passava por aquilo todos os dias.
Eu era péssimo em vendas, tudo porque eu respondia a todas as perguntas dos clientes e esclarecia todas as cláusulas do contrato, especialmente a parte da multa e fidelização, ou seja, qualquer coisa que fosse desfavorável ao cliente. Obviamente a maioria desistia da compra, mas quem comprava comigo jamais cairia depois na retenção, pois sabiam exatamente o que estavam comprando. Não havia devolução e cancelamento das minhas vendas.
Cerca de vinte minutos depois, alguém sai do elevador. Para a minha surpresa era a Márcia. Foi direto para a sala do novo gerente e os dois saíram de lá para a minha baia.
— Ei novato. Você tem visita! – disse Gabriel com a Márcia logo atrás dele.
— Novato? Visita? O que é isso aqui, um presídio? – ela falou colocando as mãos na cintura e olhando para a cara do outro gerente. Depois, ao se aproximar, arrancou o número zero que brilhava sobre a minha baia e jogou na lata de lixo mais próxima enquanto dizia em alto e bom som — Uau, pelo visto o assédio moral aqui rola solto. Ninguém leu o código de ética da empresa não? – ela disse isso de um jeito tão debochado e levantando a sobrancelha estilho Rochelle, mãe do Chris, depois se virou para mim e com um sorrisão enorme no rosto perguntou:
— Como vai o meu funcionário do mês? Sentiu saudades? – ao ouvir a fala dela, todos olharam na nossa direção — O louco que lhe colocou na área de vendas não deve saber nada de gestão de pessoas!
— O que você está fazendo aqui? — perguntei sorrindo sem graça.
— Ah, para! Você achou mesmo que eu ia abandonar um dos meus aqui nesse inferno? – ela falou olhando em volta — Além disso, a audiência é daqui a pouco. Vou te levar até lá e, bem, tenho novidades para aquele juiz.
Eu ia fazer outra ligação, ela desligou o meu ramal, deu um tchauzinho para o Gabriel e entramos no elevador. Ele não ficou com uma cara muito satisfeita. Ela me contou que os dois estão disputando a vaga de CEO júnior e apenas os dois foram para a avaliação final. Isso significa que se minha chefe passar, ela assumirá todas as centrais e os gerentes serão subordinados dela e uma vaga de gerente será aberta.
Ela estava me incentivando a me inscrever para a vaga de gerente, disse que conhece meu trabalho e que eu seria um bom gerente, estaria à altura de substituí-la. Ela me disse que inclusive o Douglas havia feito inscrição para disputar a vaga e que a Hiroko também estava na disputa. As inscrições iam até o fim do mês e que se eu quisesse ela me daria um voto de apoio. O voto de apoio é como e fosse uma indicação do futuro CEO e conta 50 pontos, mas precisa ser aprovado por outros três funcionários da hierarquia que podem concordar ou não com a indicação. Entramos no carro e saímos dali.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu último dia de vida.
Mystery / ThrillerAlexanderson passou um mês planejando o último dia de sua vida. Há meses havia deixado escrito em várias cartas e um diário, enterrados no quintal, suas percepções sobre a vida, suas dores, os amores não vividos. No último dia de sua vida, deixou um...