Caindo para cima

20 3 12
                                    

24 de agosto de 2015

O mês inteiro se passou eu sei, não escrevi nada aqui, mas bem, meu diário pode virar mensário. Afinal, nem todos os dias acontecem coisa que merecem ser registradas e se eu registrasse minha vida diariamente, ia ser uma monotonia. Neste mês e pouco que se passou, muitas coisas acontecerem, a maioria ruim e uma ou duas boas. Vamos por partes.

Depois do dia das mães, fui obrigado a ir nas duas oportunidades das visitas na casa da vovó, não que eu não quisesse ir, mas preferia ter ido sozinho. O aniversário do vovô e o dia dos pais. Confesso que foi divertido, conversei muito com a vovó Benedita, mesmo pensando naquilo que ela me disse e sentindo medo de perdê-la, decidi que aproveitaria melhor meus momentos com ela. Acho que isso faz mais sentido do que ficar pensando na morte dela. O ruim disso é que, como sempre, meu pai a trata de maneira muito vazia e sem muito tato, a vovó diz que ele ainda não cresceu e eu não entendo o que ela quer dizer com isso.

Uma das novidades foi minha inscrição para o cargo de gerente, passei nas três primeiras fases e fui barrado na fase final. Acontece que, mesmo apoiado por dois gerentes de outros departamentos, não pude receber a promoção. Uma das regras para a promoção ao cargo de gerente era ter mais de dois anos de empresa. Eu tinha um ano e três meses se considerasse os três meses de experiência. Márcia fez tudo o que pode, mas infelizmente não foi aprovada a minha promoção. A Márcia foi aprovada para nova CEO, isso foi bom.

O problema é que a pessoa que estava em segundo lugar na concorrência para a gerência da nossa equipe era a Hiroko. Ela se tornou minha chefe. Isso estava me matando por dois motivos: primeiro, eu ainda gostava dela; segundo; ela me culpava pela demissão do namorado dela. Então, decidiu me punir e uma semana depois me colocou na equipe de vendas. Sabia que eu teria meu salário reduzido, uma vez que minha comissão seria mais baixa que na retenção.

— Por que você está me colocando em vendas? – foi o que perguntei a ela – Sabe que sou péssimo e não vou conseguir bater as metas.

— Para trabalhar comigo, precisa saber fazer bem todas as coisas! Se não está satisfeito, pode pedir demissão, como meu namorado teve que pedir.

— Ele pediu demissão por causa do que ele fez...

— O tempo que você gastou vindo aqui reclamar é o tempo de pelos menos três vendas – ela respondeu me interrompendo.

Eu realmente desconhecia a Hiroko que agora me parecia outra pessoa. A Sarah me aconselhou a abrir uma reclamação no Onbusdman da empresa, mas eu decidi não fazer isso. Poderia dizer que eu estava fazendo isso por ter perdido a promoção para ela e eu não tinha provas de que ela me mudou de departamento por causa do namorado dela, afinal, um gerente pode reestruturar a equipe como quiser e o argumento dela era válido.

Sim, eu retomei minha "amizade" com a Sarah, ela veio se explicar e pedir perdão e bem, eu já não tenho muitos amigos, se não a perdoasse, com quem eu iria conversar? Ainda mais agora que a Márcia não está mais na nossa filial. Além disso, não posso dizer que não gostei do que aconteceu entre nós... Algumas vezes ainda sonho com aquele beijo lascivo que ela me deu.

Outra notícia que era ruim e boa ao mesmo me foi dada segunda feira passada. Se deu assim, uma semana depois que voltamos da casa da vovó, a visita em honra ao meu avô no dia dos pais, logo que cheguei do trabalho, minha mãe me abordou dizendo que precisávamos conversar. Tentei evitar a conversa, mas ela e meu pai se juntaram dizendo que era algo sério e que não poderia esperar. Então, respondi que iria tomar um banho e já desceria para a tal conversa. Quando desci, eles estavam na cozinha e havia um bolo em cima da mesa com uma decoração toda rosa e uma bonequinha no topo.

— Surpresa! – os dois falaram juntos apontando para o bolo. Eu fiquei olhando aquilo e pensando "Tá, é aniversário de quem?", "Que porra é essa?". Como eu não dizia nada e meus pais continuavam com aquele sorriso congelando esperando, eu falar alguma coisa, eu entortei a cabeça de lado e sorri de maneira caricata de volta.

— E aí, o que achou? – minha mãe perguntou.

— Ah, o bolo é lindo! – respondi.

— Não do bolo, estou perguntando da novidade? – ela insistiu.

— Que novidade? – falei sem entender.

— Eu disse que ele não ia entender – meu pai falou baixinho para minha mãe.

— Como assim não entendeu? Bolo rosa, bonequinha no topo do bolo...

Eu mais uma vez entortei a cabeça olhando par ao bolo e pensando, até que ela perdeu a paciência e disse.

— Nossa menino, como você é lento! Estamos grávidos, você terá uma irmãzinha, será o irmão mais velho agora! O nome dela será Ana Fernanda em homenagem à Fê... Sentimos tanto a falta dela... – disse isso e começou a chorar.

Meu pai fez um aceno para mim, como se quisesse que eu a abraçasse ou parabenizasse os dois, ou sei lá o que ele queria, talvez que eu a consolasse. Minha cabeça estava tão cheia de pensamentos que eu não fiz nada, fiquei ali parado olhando para ela e para o bolo. Por fim ele a abraçou, ela secou as lágrimas e cortou um pedaço do bolo para cada um de nós, passou a falar sem parar de como iam arrumar o quarto da Ana Fernanda e isso e aquilo. Não consigo dizer o que eu senti, se foi alegria, ou seu eu estava atônito porque achava que no fundo, queriam simplesmente ter um bebê para suplantar a dor da perda. Me senti egoísta, afinal, porque não poderiam fazer isso? Seguir adiante. Era isso mesmo que estavam fazendo? Não sei, mas pelo menos estavam felizes e o bebe agora era mais importante que o luto e que a mim. Estavam no terceiro mês de gestação, eu seria irmão mais velho.

Na sexta-feira passada, dia 21, após passar o dia inteiro sem conseguir realizar uma única venda, no fim do expediente, fui chamado na sala da gerente. Já estava ciente do que viria, mais uma chamada para um treinamento especial no sábado. Todos os da equipe de vendas que não batiam a meta semanal precisavam passa por um treinamento de reavaliação e a maioria das vezes, isso ocorria porque era redirecionados para novos produtos, já que não conseguiram vender o produto anterior. Eu já estava no quarto produto.

Após entrar, eu já ia me sentar quando e Hiroko me disse:

— Não precisa se sentar, não lhe chamei para um relatório de readequação de produto – disse isso enquanto abria a gaveta de sua mesa.

— Não?!

— Não – ela respondeu tirando da gaveta um envelope dourado com o logo da empresa em vermelho – Parabéns! – ela disse num tom que pareceu muito desconfortável. Estendeu a mão e me entregou o envelope.

Eu sorria de orelha à orelha, afinal, aquele envelope significava uma única coisa: "Promoção!".

— Obrigado! Mas como... – eu ia perguntando quando ela me interrompeu.

— Eu não sei, só sei que o R.H me entregou. Você está sendo solicitado na Filial Centro. Agora cai fora da minha sala – ela disse num tom azedo – Boa sorte lá!

Eu cai para cima, foi o que a Sarah disse. Não sei se isso é possível, mas foi isso o que aconteceu. Eu cai para cima.

"Plin" apitou meu celular

Era uma mensagem da Márcia

"Tá felizinho né?"

"O R.H me confirmou a entrega do envelope ouro"

"Nem ouse em recusar a transferência para cá. Como eu disse, eu confio no seu trabalho. Você merece!"

"Não achou que se livraria de mim tão fácil, achou?"

"Seu tolinho! Kkkkkkkkkkkkkkk"

Acontece que, após saber que eu fui colocado na equipe de vendas pela Hiroko, sabendo de tudo o que havia acontecido. A Márcia, que agora era CEO da Filial Centro, enviou uma solicitação de transferência para o departamento de logística no cargo. Estava me promovendo para outro setor, eu ia para o setor de Relações Públicas, área da minha foramação. O salário é quase igual ao que eu ganharia se tivesse virado gerente, porém, sem toda a pressão das metas de vendas e essas coisas todas que um gerente de telemarketing sofre. Melhor que isso, a promoção me dava direito a usar o carro da empresa e viagens para outras filiais inclusive no exterior se necessário.  Estou feliz como pinto no lixo!

Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora