Carta 5 - (in) Feliz Natal!

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08 de janeiro de 2016

Olá mamãe! Olá papai! Hoje é véspera de Natal e tudo está maravilhosamente bem. Pelo menos deveria estar. Não consigo entender o que se passa, mas algo em mim está fora do lugar. Eu deveria estar dando graças a Deus (isso se eu acreditasse em algum) por tudo estar tão maravilhoso. Afinal, o que mais eu poderia querer? Tenho uma família que voltou a celebrar o nascimento de Jesus, família que juntou os cacos e se perdoou, que superou a morte de um ente querido e agora estava celebrando a vida de novas almas que se juntariam à nossa família. Sim, novas no plural. Agora que fizeram as pazes, a senhora e o papai convidaram a tia Maria Fernanda para passar o fim de ano em nossa casa. Conversaram e se perdoaram mutuamente, eu me recusei a participar dessa conversa, não tinha nada para ouvir e muito menos falar. Ao ver a tia Maria Fernanda, não pude deixar de pensar na minha irmã.

Agora, a tia está grávida mais uma vez, trouxe o noivo dela e até nos convidou para o casamento no mês de março, após o nascimento da criança. Nessa conversa toda me dei conta que tanto a senhora quanto a tia terão o bebê no mesmo mês, já que estavam no mesmo período de gestação. Fazendo as contas, descobri que têm a chance de nascer no mesmo dia em que seria o aniversário da Fê. Como isso é possível? Seria mera coincidência?

As coisas no meu trabalho estão excelentes, me dei bem com a equipe e com o meu chefe. Viajo muito a trabalho, conheço novos lugares e estou ganhando mais. Fiz alguns amigos, eu acho. Na verdade, são colegas, não tenho tanta intimidade com ninguém. Mas sei que gostam e se preocupam comigo. Diante de tudo isso, me pergunto: Qual é o meu problema? Por que me sinto tão triste? Por que não consigo me sentir feliz ou satisfeito com nada?

Sei que ninguém percebeu nada, sou muito bom em esconder o que sinto, e o que sinto não é nada bom. É um vazio enorme, um buraco no meio do peito que me faz querer sumir. É uma dor que vem não sei de onde e não vai embora nem mesmo quando estou dormindo, porque ao dormir me vejo num lugar escuro e vazio, com um cheiro de podridão e morte. Tudo é tão desesperador que eu acordo suado só para constatar que ainda estou vivo e que a solidão está lá me espreitando.

Esses dias ouvindo um play lista o trecho de uma música me chamou a atenção: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de atenção." É da música – Esperando por mim – Legião Urbana. Renato Russo sabia mesmo como descrever o que sentia. Tudo o que vejo ao meu redor são pessoas exigindo atenção, mas poucos são os que realmente estão decididos a se envolver de verdade. Se relacionar de verdade exige uma coisa que as pessoas não estão prontas para entender, se relacionar exige doação, mas as pessoas hoje só querem receber. Olhando para a senhora, acho que sabe de verdade o que se relacionar, se sacrificou muito mais do que eu possa imaginar. Afinal, quem cuidaria de uma criança que não é sua? Quem perdoaria coisas tão terríveis como a senhora perdoou? Quem daria a vida para trazer uma nova vida e junto com ela a alegria de viver? Acho que tenho sido muito duro com a senhora, acho que tenho sido apenas mais um que é incapaz de entender aquilo que chamam amor.

Uma sombra cresce em mim, não sei dizer o que é, mas é escura o suficiente para fazer com que eu queira ficar trancado em meu quarto o dia todo. Sair dele, levantar-se da cama tem sido uma luta, uma luta árdua e solitária. Aquela ideia de desaparecer voltou a rondar a minha mente. Será que a dor desapareceria junto?

Não sei a resposta para essa pergunta, assim como não sei a resposta para muitas coisas. De qualquer maneira, se estiver lendo isso agora, deve ser porque eu de fato desapareci, de um jeito ou de outro. Eu te amo mamãe.

(In)Feliz Natal!

Após ler esta carta que escrevi pela manhã, desci ao jardim e a coloquei junto às outras. O dia transcorreu tranquilo e nos reunimos à noite para a ceia. A casa encheu de gente, muitos parentes que eu nem me lembrava que tinha, mas que a senhora fez questão de convidar porque queria reunir a família novamente e mostrar que a paz estava entre nós. Alguns momentos foram muito divertidos, devo admitir.

Pouco antes da meia noite fui até a piscina e alguns primos estavam lá. Olhei para eles e acenei de longe, não consegui me lembrar dos nomes deles e nem mesmo quando tinha sido a última vez que os vi. Repentinamente ouvi risos altos e pude percebem que me olhavam com curiosidade. "Olha lá o esquisito", ouvi um comentar. "Quem? O bastardinho da família Ferrari" Respondeu a prima Emilly. "Vamos enviá-lo para ser um irmão da muralha!" comentou um outro. Os risos se tornaram mais altos e as vozes ecoavam na minha cabeça "Bastardinho da família!", "É um snow! Kkkkkk".

Meu coração estava batendo acelerado e minha visão estava se tornando turva, um deles levantou o copo me saudando e eu estava com o maxilar e os punhos tão apertados que pareciam esmagar-se em si mesmos. Ia até eles mostrar quem era o bastardo quando senti alguém tocar o meu ombro. Era a prima Solange.

— Vocês está bem? Parece que está tendo uma taquicardia.

As vozes sumiram instantaneamente e ao olhar para meus primos, eles não estavam rindo, sequer olhavam pra mim. Minha prima me levou para dentro e chamou minha mãe. Ela mediu minha pressão e percebeu que estava alta e que eu não estava bem. Perguntou o que havia acontecido e apenas respondi que me senti tonto. Um dos primos que entrou pra ver o que estava acontecendo, relatou que eu fiquei parado os encarando de maneira estranha e que ninguém entendeu nada, por isso decidiram me ignorar.

— Não estava encarando vocês – me justifiquei – estava olhando para a piscina, só isso.

— De qualquer maneira, vá descansar meu filho. Você não está bem.

Fui para o meu quarto e lá fiquei até o ano novo. Eu peguei férias, meu chefe recomendou porque achou que eu estava muito estressado. Disse que embora a equipe goste muito de mim, disseram a ele que eu estava esquecendo coisas e falando outras que não se encaixavam no diálogo da reunião, eram desconexas.

Preciso mesmo descansar. Preciso ficar sozinho. Preciso sumir. Esses eram os meus pensamentos. Mal saí do quarto nas férias e agora que está terminando, a vontade de voltar ao trabalho é zero. Toda vez que penso nisso, choro. Choro até as lágrimas secarem. Depois ouço minha própria consciência me recriminando. Algumas vezes é a voz da Fê que eu ouço.

"Patético! Você é patético. Como vai liderar uma equipe sendo tão patético!

Outras vezes é a voz da Dr. Isabelle quem me acusa.

"Você não está pronto. Problemas com seus pais! Eles odeiam você, quem gosta de um fracote que foi abandonado pelos pais?"

— Calem-se! Calem-se! – grito desesperadamente, apenas para ver minha mãe e meu pai surgirem no meu quarto tentando entender o que aconteceu. Depois que isso ocorreu por três dias seguidos, decidi trancar o meu quarto. Eles não sabem, mas posso ouvi-los rindo depois que saem do meu quarto sem nenhuma resposta. Cochicham sobre mim pelos cantos. Sei que cochicham. Não aguento mais, vou dormir.



PS: estou participando do #concursodulcetentation  
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Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora