20 de março de 2015
Hoje participei da minha primeira sessão de terapia, não porque eu ache que vá mudar alguma coisa, mas porque estava muito curioso para saber como é fazer terapia e porque minha mãe e meu pai não deixavam esse assunto morrer. Todos os dias davam um jeito de tocar no assunto, de perguntar quando eu iria começar e de exaltar o quanto isso faria bem para mim, que a prima Edimunda faz e a vida dela melhorou, que minha irmã fazia e que a vida dela melhorou. Claro que eles não gostaram nenhum pouco quando respondi que se eles achavam isso tão bom, que fizessem uma terapia de casal, já que o casamento deles estava em crise.
Minha mãe ficou muito magoada, afinal, a crise toda foi desencadeada pela perda da minha irmã mais velha, Fernanda Ferrari. Foi um impacto muito grande para os meus pais, para mim também, mas para eles mais. Afinal, tudo aconteceu depois de uma briga familiar... Outro dia falo sobre isso. Enfim, fui para a tal terapia.
Antes de tudo, preciso esclarecer que eu não sei mentir. Isso sempre me gerou muitos problemas, porque diante de algumas situações, ou fico calado, ou falo tudo de maneira muito direta. Assim, a depender das palavras que eu utilizo ou da maneira como a pessoa interpreta, eu acabo sendo considerado rude, algumas vezes, cínico.
Bem, saí de casa em direção ao consultório imaginando como seria essa uma hora de silêncio. A verdade é que eu não estava nem um pouco a fim de falar com um estranho, não falo nem com os conhecidos, quem dirá com um estranho.
Cheguei ao consultório, fui atendido pela secretária que me pediu para aguardar na sala ao lado. Tudo muito branco, revistas de publicações sobre psiquiatria e medicina. Quem lê isto numa sala de espera, será que acham que todos são formados nessa área? Poderiam ter colocado um mangá e eu nem trouxe um livro. Depois de uns quinze minutos a secretária apareceu novamente.
— A Dra. Isabella irá lhe atender agora – conduziu-me sorrindo até o consultório.
Lá dentro, uma mulher que não parecia muito mais velha que eu, me recebeu com um aperto de mão e um sorriso. Ela deveria ter o quê, uns vinte e sete anos no máximo. Uma roupa toda branca, um tanto quanto transparente, em volta tudo muito branco e algumas plantas em um canto, um quadro no meio da parede, mais revistas de medicina sobre uma mesa de canto, duas poltronas pretas que pareciam muito confortáveis e outro móvel para se deitar. Ao perceber que eu fiquei parado olhando para os móveis ela me disse.
— Fique à vontade para escolher um dos dois – apontou enquanto se sentava em uma das poltronas – Sou a Dra. Isabella Jardim, tenho vinte e sete anos e atuo há cinco anos nesse consultório. Vou ler sua ficha e... Algum problema? – ela me perguntou ao me ver esboçar um sorriso que deve ter parecido um deboche.
— Problema? Não, por quê?
— É que você sorriu logo após eu me apresentar e dizer que iria ler sua ficha. Há algo errado?
— Não... É que eu imaginei que pela sua aparência, não teria mais que vinte e sete anos e eu estava certo. Sua roupa é um tanto transparente e mesmo usando a roupa de baixo da mesma cor, ela ainda fica marcada. Além disso, tudo aqui é muito branco, isso não deixa as pessoas se sentindo mais doentes? – encerrei observando em volta e ainda com um meio sorriso no rosto e me sentando na poltrona em frente à dela.
Ela me olhava séria e procurava não demonstrar, mas acho que estava um tanto quanto constrangida.
— Obrigada, por expressar sua opinião, levarei em consideração. Como eu ia dizendo, vou ler sua ficha. Alexanderson Bonanni Ferrari, tem vinte e um anos, irmão de Fernanda Bonanni Ferrari, filho de Ana Clara Bonanni Ferrari e Carlos Eduardo Ferrari. Como se sente hoje, Alexanderson?
O que se seguiu depois desta pergunta, foi um silêncio que durou cinquenta minutos, interrompido uma vez ou outra por uma pergunta que não era respondida e eu sequer me lembro. Na parede atrás da poltrona à qual a Dra. estava sentada, havia um relógio que fiquei observando o ponteiro se mover lentamente. O silêncio era tão grande que eu podia ouvir os rabiscos da caneta na prancheta da médica, quando ela fazia anotações depois de me observar por alguns minutos. Até que a Dra. disse que havia acabado a consulta. Levantei-me, ela apertou a minha mão e se despediu com um "Até a semana que vem!". Tudo o que obteve de resposta foi um sorriso irônico e um olhar malicioso.
Ao chegar em casa, a típica pergunta de todos.
— Como foi na terapia? – meu pai foi o primeiro a perguntar.
— Silencioso – respondi.
Ao ouvir minha resposta, minha mãe olhou para o meu pai que ergueu os ombros em resposta. A questão é que em todo o caminho de volta, fiquei imaginando o que ela iria me falar depois de ouvir o que eu tinha a dizer. Abanei a cabeça tentando afastar estes pensamentos. Afinal, a curiosidade matou um gato e por causa dela acabei aceitando ir até lá e agora tinha quatro sessões a serem feitas. Esse foi o trato com minha família, e se eu puder vencer todas as quatro sem falar uma só palavra, assim o farei. Não quero perder para a curiosidade.
Da janela do segundo andar com as cortinas meio fechadas, observava o movimento do outro lado da rua. Parecia haver movimentação na casa em frente à nossa, estava à venda há muito tempo e pela primeira vez percebi que a placa tinha sido retirada. Algo novo para eu observar. Quem seriam os vizinhos?
Liguei meu PC e iniciei umas das campanhas de Hallo, mas não estava com ânimo para jogos, abandonei a partida e naveguei um pouco na Net Flix. Contudo, não encontrei nada lá que me chamasse a atenção. Eram quase vinte horas já e logo meus pais iriam para o quarto e eu poderia desce para jantar. Esse era o nosso ritual desde que Fernanda se foi. Um misto de raiva e tristeza tomou conta de mim e as lágrimas que segurei tanto no consultório insistiam em sair agora. A todo custo tentei sufocá-las. Foi em vão, derramaram-se pelo meu rosto e mal pude ouvir a voz da minha mãe me dizendo boa noite. Era a deixa para eu desce e jantar em paz.
Permaneci no meu quarto por mais meia hora até que consegui controlar o choro. Ao abrir o forno, as lágrimas voltaram. Lasanha à bolonhesa era a comida favorita de minha irmã. Não sabia se comia ou se chorava. Comi, afinal, dormir com fome e com a cara inchada não era uma boa ideia. O gosto da lasanha desapareceu, tudo o que eu via eram as lembranças da minha irmã ansiosa em volta da travessa de lasanha e reclamando do tamanho da porção que eu havia pegado. Ela sempre corria atrás de mim quando eu pegava a travessa dizendo que todo o resto era meu. Tudo era muito mais divertido com ela.
Voltei ao quarto, olhei pela janela, as luzes da casa à frente estavam acesas, mas não se via nenhuma movimentação pela casa. Tirando as luzes de fora, apenas a luz do quarto do andar superior estava acesa. A cortina fechada não permitia ver nenhuma silhueta lá dentro. Uma pena, pensei, apagando a luz e me deitando a olhar meu teto iluminado pelas estrelas fluorescentes. Adormeci pensando ainda o que a Dra. diria se eu tivesse falado alguma coisa.
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Meu último dia de vida.
Mystery / ThrillerAlexanderson passou um mês planejando o último dia de sua vida. Há meses havia deixado escrito em várias cartas e um diário, enterrados no quintal, suas percepções sobre a vida, suas dores, os amores não vividos. No último dia de sua vida, deixou um...