Conversa com a vovó

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06 de abril de 2015

Hoje é segunda-feira e pela primeira vez em dez meses decidi faltar ao trabalho. Não cheguei ir à sessão de terapia na sexta-feira, afinal, foi a Dra. Isabella quem disse: "Volte quando estiver pronto". Talvez eu não volte, pois, quem na vida está pronto? Em vez de ir para a consulta, aproveitei a folga e decidi ir até a casa da minha avó Benedita. Não avisei aos meus pais que iria para lá. Sei bem que se eu dissesse que ia, acabariam por ir comigo e, não sabia exatamente o porquê, queria estar sozinho com a vovó dessa vez. A viagem foi tranquila, afinal, ela mora há apenas quatro horas de viagem de ônibus e eu havia me planejado para ficar lá até domingo.

A vovó Benedita é mãe de meu pai e nunca passamos muito tempo juntos. Ela nunca aparecia nas festas de fim de ano ou aniversário e a visitávamos poucas vezes ao longo do ano. Para ser mais exato eram apenas cinco vezes: no aniversário do meu pai em fevereiro, então comemorávamos no mesmo dia 22 de fevereiro, o aniversário dele e da Fê que era dois dias antes. No dia das mães, no dia dos pais. Em 12 de julho, para o aniversário do vovô Inocêncio. Embora o vovô tenha falecido, nossa avó Benedita sempre faz um bolo que meu avô gostava e cantamos parabéns como se de onde ele estivesse, ele pudesse vir no seu aniversário para celebrar a vida. E finalmente no aniversário da vovó que é no dia 10 de outubro

Após essas datas não havia comunicação com a nossa avó, pois ela nunca permitiu que fossem instalados telefone, internet ou televisão na casa dela. Ela dizia que essas coisas nos roubam o que temos de mais precioso, a qualidade do nosso tempo. Que tempo é vida e que ao nos abandonarmos nas telas é como jogarmos fora tudo o que é real para vivermos as mentiras das redes sociais. Eu nunca entendi direito isso, mas posso afirmar que a vida no sítio da minha avó passa muito lentamente. Mesmo diante das alegações de meu pai, minha avó sempre recusava a tecnologia. Respondia que notícia ruim chega depressa, então, se ela morresse, com certeza saberíamos rapidamente.

Antes mesmo de eu chegar no sítio, minha avó já estava à minha espera. Não sei como, ela sempre sabia quando estávamos indo para a casa dela. Dizia que era coisa da alma, que quando se vive só e em oração, podemos ir a qualquer lugar antes mesmo de sair de casa e que quando alguém pensa na gente, nossa alma recebe a mensagem. Acusava a tecnologia de roubar esse dom das pessoas deixando-as cegas para a realidade espiritual. Eu sempre ria, porque não acredito em nada dessas coisas de deus e etc., mas não duvidava dela.

Ela estava de pé na entrada do sítio e com o seu habitual sorriso e braços abertos me abraço carinhosamente.

— Seu bolo de banana caramelada tá quentinho, acabou de sair do forno!

— Ah vovó, a senhora sempre ouvindo nossos pensamentos.

— Quem manda pensar tão alto! – ela riu de maneira divertida.

Minha avó tem um jeito só dela de receber as pessoas, estar com ela é como entrar numa piscina de água aquecida em um dia muito frio. Ela lhe abraça e você pode sentir o calor daquele amor que sai dela.

Entrei, ela me ordenou que eu tomasse banho e disse que tínhamos muito oque conversar e que estava feliz de eu ter vindo sozinho. Que esperou muito por esse dia. Eu ri, ela parecia com um ar de misteriosa. Tomamos um café da tarde, vistamos o lago artificial no qual ela cria e vende seus peixes, mostrou-me como ficou a reforma da casa dos fundos. Contou-me sobre seus últimos meses e sobre as cantadas que os senhorzinhos do baile da saudade dão nela, sempre querendo se casar. Ela sempre ri e diz que casamento é uma vez só e olha para a foto do meu avô na parede da sala. Depois, jantamos e ficamos olhando as estrelas até o sono chegar.

Na manhã de sábado, levantei-me com as galinhas, afinal, depois de ir dormir antes das vinte e duas horas, o corpo acorda por conta próprias às cinco e trinta a manhã como sol clareando o novo dia. Vovó já havia preparado café e feito as orações matinais. Parecia mais séria que no dia anterior e menos falante.

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