Exibição de gala

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17 de setembro 2016

Parece que meu organismo está se acostumando aos efeitos colaterais dos remédios. Não tive mais diarreia, nem estou dormindo tanto quanto no começo. Ainda me sinto um trapo quando acordo, isso é verdade, mas pelo menos estou dormindo menos. Em breve poderei tirar a tala do pé e poder voltar a pisar no chão. O que é bom, pois a coceira causada pelo calor e também a questão da cicatrização dos ferimentos me deixam louco. É estranho usar essa palavra, ainda mais sabendo do meu diagnóstico. Haha, meu senso de humor parece estar voltando.

As alucinações diminuíram e agora não fico tão assustado, porque sei que estou em casa e que é uma alucinação. Então, simplesmente começo a contar até que a alucinação passe. Geralmente chego próximo aos cento e cinquenta, em média fica em oitenta e cinco. É coisa breve, mas sempre muito poderosa. A última alucinação, ao chegar no quarto da minha mãe, ela estava no trocador cuidando da Ana. Quando olhei, o que eu via era ela abrindo a barriga da bebe e retirando seu intestino para fora e comendo enquanto a bebe chorava de dor. Um minuto e meio depois a visão sumiu e pude ver minha mãe a fazer cócegas na bebe e bufar em sua barriguinha enquanto ela ria sem parar.

Aprendi a não entrar em pânico logo que as alucinações surgem. Uma durou cerca de cinco minutos. É como se eu não conseguisse não olhar, simplesmente travo, não consigo reagir, não consigo virar o rosto, não consigo gritar. Então fico contando mentalmente. Contar, me ajuda a me manter calmo e a não focar no horror que estou vendo. O médico diz que o que relato a ele foge dos padrões relacionados aos casos que ele e alguns amigos que consultou estão costumados a ver.

Ontem à noite, após às vinte e duas horas, todos já dormiam e eu estava tentando me manter acordado, pois minutos antes vi uma garotinha andando pela casa. Tenho medo de dormir e alguém me puxar pelo pé. Ela tinha uma aparência nada amigável, me lembrou uma das meninas do hotel naquele filme, O iluminado. Só de pensar me dá arrepios. Como a última vez que a vi, ela estava atrás das cortinas do meu quarto. Retirei o varão e deixei meu quarto sem cortina, isso fez eu me sentir mais seguro, embora a claridade invadisse meu quarto e tenho dificuldades em dormir com um ambiente claro.

Sentado na minha cama, passei a observar a casa da frente, que desde à alucinação da semana anterior, permanecia do mesmo jeito, quieta como um túmulo. Estava relembrando aquela cena e quanto mais se esforçava para lembrar, menos lembrava. Por isso passei a fixar o olhar na janela dela, na tentativa de reconstruir a cena em minha mente. O fato é que, mesmo que eu consiga, nada daquilo é real. A realidade é que eu nem sei quem mora naquela casa, só sabia que era uma mulher. Pensei em responder o tal bilhete, deixando um por baixo da porta. Será que eu deveria?

Enquanto eu pensava nisso, fui surpreendido com a luz do quarto se acendendo. Podia ver o vulto andar de um lado para o outro do quarto. Minutos depois a iluminação foi diminuída ficando em meia luz e a cortina foi aberta como da outra vez. Fiquei animado e peguei o binóculo da gaveta e comecei a observar. Embora a cortina tivesse sido aberta, ela não estava à vista. Havia alguma coisa diferente, umas luzes coloridas passaram a se revezar na iluminação, ora verde e azul, ora rosa e amarela, ora vermelha e verde e assim por diante. Piscavam em um determinado ritmo dando a impressão de seguir uma melodia.

Foram exatos oito minutos assim. Observei a rua e não havia ninguém por ali. Passei a observar o quarto mais atentamente e havia algo estranho, não parecia ser o mesmo quarto. Não havia mais ali a cama que conseguia enxergar antes, nem o guarda-roupas, nem uma outra mobília que me lembrava. Repentinamente, uma bruma branca começou a sair da de trás da parte da cortina que ainda estava fechada e tudo ficou esfumaçado como as baladas que eu fui por um tempo.

Alguma coisa começou a se mover no meio do jogo de luzes e fumaça. Aos poucos a fumaça foi se esvaindo e o que eu vi era simplesmente belo. A mesma mulher da semana anterior estava sentada abraçando as próprias pernas e testa apoiada em seus joelhos diante de uma pequena plataforma com espelhos. Estava com a mesma mascará da semana anterior, a julgar pelas penas que pairavam sobre sua cabeça. Permaneceu imóvel por um minuto, levantou-se erguendo os braços, mandou um beijo com as mãos e saltou para trás se agarrando a uma barra. Só então notei que era um pole dance. Eu ri sozinho, minha mente estava mesmo doidona, eu pensei.

O riso sumiu a hora que ela começou a dançar e fazer acrobacias. Céus, era muito sensual. As luzes refletiam naquela roupa e a bruma deixava tudo ainda mais erótico. Senti-me transportado para aquele ambiente e a cada coreografia, passo e gesto provocante eu ficava ainda mais excitado. Ela encerrou a dança, escorregando pela barra e deitando no chão dava pra sentir os seios dela arfando pra cima e pra baixo. Ela fez um gesto, as luzes se apagaram e tudo ficou quieto como antes. Caminhei até a varanda na intenção de tentar ver alguma coisa. Quase cai de costas, sentada no parapeito, apareceu a menina que havia visto mais cedo, ao lado dela, o homem sedento reapareceu pedindo água. Os dois desapareceram logo em seguida. Na casa da frente, escuridão.

Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora