07 de setembro 2016
Hoje é sete de setembro, feriado nacional dia da independência. Para mim parece uma ironia, pois estou cada vez mais dependente de tudo e de todos. Iniciei o tratamento e o médico psiquiatra me receitou três remédios que, segundo ele, me auxiliariam a melhorar. Contudo, eu não noto essa melhora que ele tanto apregoa.
Ainda não posso voltar a trabalhar, com o pé engessado, mal posso sair de casa, pelo menos as escoriações desapareceram. Sinto que deveria deixar de tomar os remédios. Eles estão me matando, sei que estão me matando. Antes eu só ouvia vozes. Agora vejo coisas e sinto coisas que me deixam apavorado. Se agora tomando remédio tenho alucinações, então porque eu deveria continuar tomando?
Um dos remédios me derruba, logo depois que o tomo, um sono absurdo bate em mim e eu durmo direto, dez, doze horas. Quando acordo, parece que estou bêbado, meu corpo fica pesado e me sinto cansado. O outro remédio me tira a vontade de comer e o terceiro eu nem sei. É como se não fizesse efeito. Um mês depois de estar medicado, tudo oque sinto é mais vontade dormir e não acordar mais.
No último domingo minha mãe me fez sair do quarto. Ficou mais de duas horas batendo na porta e implorando para eu sair. Almocei com eles. Tivemos uma conversa boa e tudo ia bem. Ela fez macarronada à bolonhesa. Estava delicioso e eu realmente esqueci por alguns minutos os meus problemas. Nem me lembrava que estava com uma bota de gesso no pé. Comíamos como uma família novamente desde nem me lembro quando e as coisas mudaram rapidamente. Mamãe contava uma coisa engraçada que exigia atenção e quando ergui os olhos da mesa para vê-la falando, meu corpo inteiro estremeceu e paralisou.
O rosto dela estava deformado, as coisas não pareciam certas. Os olhos estavam saltando para fora da órbita e escorrendo pela face, toda a sua pele estava derretendo. Os cabelos queimavam com chamas pequenas. Ao perceber que eu a estava encarando muito, minha mãe riu e perguntou o que estava acontecendo. Pude ver seus dentes caírem no seu prato de macarronada e se misturar à carne. Ao olhar para o meu prato, não era massa que estava nele, eram lombrigas envolvidas em muito sangue e cérebro. Ao olhar para o papai ele estava com o garfo cheio de lombrigas e as colocava na boca. Senti um horror tão grande que me levantei com ânsia de vômitos e corri para o banheiro. Após vomitar e voltar para a mesa, as coisas estavam novamente como deveriam estar. Não consegui mais comer, minha mãe ficou achando que o tempero da carne ou o molho me fizeram mal. Não tive coragem de dizer o que havia ocorrido.
Outro dia eu via de pé junto ao meu armário, uma pessoa que ficava me pedindo água. O mais esquisito é que eu me levantei e lhe entreguei a garrafa, mas a pessoa deixou cair e ao se virar no chão, uma poça se formou. A pessoa, que parecia ser um homem de vinte e dois anos, se debruçou e passou a lamber o chão. Depois, saiu para o corredor e foi embora. No dia seguinte ele estava lá novamente me pedindo água, dessa vez, em vez de lhe entregar na mão, apenas coloquei a garrafa aberta sobre a cômoda. Ele ficou com uma feição de raiva, mas não falava nada e nem tentava pegar a garrafa, apenas dizia; água, água, água. Estranhamente uma ventania entrou no quarto e virou a garrafa. Então ele se pôs a beber a água do chão, saiu pelo corredor e sumiu. Vi o mesmo homem por uma terceira vez, tentando beber água dos esguichos que molhavam o jardim. Quando o esguicho parou, ele foi embora.
Certo dia, fui fazer a barba e eu estava demorando demais para sair do banheiro, papai ficou batendo na porta. Como eu não abria, ele arrombou-a e me pegou arrancando pedacinho de pele do meu próprio queixo com a gilete descartável. Ao ver o que eu estava fazendo, me chacoalhou e me deu um tapa. A pia estava banhada de sengue, assim com minha roupa. Não conseguia entender de onde vinha o sangue e nem os pedaços de pele cortadas. Ao olhar no espelho eu me via com uma barba enorme que eu queria arrancar a todo custo, ao olhar depois de ser esbofeteado, meu rosto estava liso. Eu já havia feito a barba e estava a esfolar meu próprio queixo. Não sentia dor, não via meu sague até acordar da alucinação.
Minha mãe escondeu todas as facas da casa, meu pai retirou tudo oque pedira representar perigo para mim e para eles. Não deixavam mais eu pegar a Ana no colo, porque da última vez que fiz isso, passei a abraça-la tão forte que ela começou a chorar e a ficar sem folego. Meu pai arrancou-a dos meus braços com muito custo. Para mim, eu estava tentando estourar uma bexiga abraçando-a. Ao perceber que ela não estourava eu apertava mais.
Por causa dessas alucinações, comecei a tomar medicação mais forte. Medicação que me faz dormir como se minha vida dependesse disso. O problema era que eu acordava muito cansado e sonolento. Além disso, eu não dormia de verdade, porque era perseguido por um monstro, um grupo deles no exato momento que meu corpo capotava sobre o efeito do remédio. A cordado ou dormindo as alucinações me acompanham. Todos os dias eu leio qualquer livro que esteja em minha frente. Descobri que as alucinações não ocorrem quando estou lendo. Como se a concentração na leitura não permitisse minha mente criar ilusões. Fora isso, todo o resto era uma ilusão, alucinação.
Meu psiquiatra diz não entender o motivo dessas alucinações estarem cada vez mais fortes, mesmo quando tomo minha medicação no horário certo e sem a ingestão de álcool. Ele insiste que eu tome a medicação. Minha mente me diz que ele está me envenenando, me usando como cobaia para remédios recém lançados e em fase de testes. Não fosse isso, por que eles não fazem efeito? Seja como for, sigo tomando-os, mesmo tendo efeitos colaterais horríveis, como: sonolência, cefaleia, ânsia de vomito, tonturas e diarreias.
Das alucinações que tive, a mais branda, se é que existe isso, foi a que ocorreu ontem à noite. Após acordar de um pesadelo e tentar me manter acordado utilizando energético. Decidi olhar para a casa da frente. Estava tudo apagado, como quase sempre está, mas houve um momento em que a luz do quarto se acendeu. Pude ver uma silhueta através das cortinas creme e uma pequena movimentação. De repente a cortina se abriu mais ou menos trinca centímetros e tive a impressão de que a dona da casa estava lá a olhar para mim.
Peguei o binóculo e consegui ver melhor. Ela estava mesmo olhando pela fresta da cortina, usava uma máscara dessas de festa de carnaval que cobre os olhos e o nariz e com umas penas de pavão que se misturavam com os cabelos acima da testa. Ao perceber que eu estava com binóculos, abriu mais um pouco, cerca de um metro e deixou-se ser observada. Usava uma camisola de seda preta com flores de cerejeira, amarrada na cintura. Ela deu uma voltinha bem lentamente e desamarrou a camisola, deixando-a escorregar vagarosamente por seu corpo. Estava de costas quando a camisola descia lentamente, parando antes da lombar. Virou-se de lado e pude vê-la de perfil. Apoiou um dos pés sobre um móvel baixo, passando o que parecia ser um hidratante em uma das pernas. Levantou-se e virou-se de frente, soltou o soutien e deixou-o escorregar, cruzando um dos braços à frente dos seios enquanto atirava a peça de roupa na cama. Parecia sorrir e colocou o dedo indicador na boca, depois deslizou-o pelo queixo, pescoço, abdômen e insinuou- que iria baixar a calcinha. Abruptamente esticou a mão e fechou a cortina.
Cocei os olhos por um segundo, ao olhar novamente, tudo estava apagado. Não conseguia ver nada, nenhum movimento, nenhuma luz acesa. Estava com o coração acelerado e com um volume latejante dentro das calças. Olhei mais uma vez e realmente não havia ninguém lá. Dei risada do meu delírio, só poderia ser delírio e fui tomar um banho refrescante, o calor parecia ter aumentado uns trinta graus. Tentei dormir novamente, sempre que o sono estava por vir, uma imagem horrível assaltava minha mente e passei o resto da noite tentando focar na ilusão erótica que tive, era reconfortante diante de tantas imagens demoníacas.
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Meu último dia de vida.
Mystery / ThrillerAlexanderson passou um mês planejando o último dia de sua vida. Há meses havia deixado escrito em várias cartas e um diário, enterrados no quintal, suas percepções sobre a vida, suas dores, os amores não vividos. No último dia de sua vida, deixou um...