20 de janeiro de 2016
O clima era agradável e fresco, a luz, embora parecesse artificial, descobri que era natural, o sol estava se pondo e o céu tinha matizes que eu nunca tinha visto. Tons de violeta, azuis e alaranjados que estavam além do que eu poderia imaginar, nem em filmes. Olhei ao redor e para além do pátio no qual eu estava sentado, haviam campos verdes e muitas árvores. Mais ao longe uma fila de pessoas seguia para algum lugar, todos com roupas brancas. Levantei-me e antes mesmo que eu desse o primeiro passo, já me encontrava ao mais próximo às pessoas. Estavam todas em silêncio e caminhavam com a cabeça baixa, olhando para o chão.
— Onde estou? – perguntei para uma delas e não ouvi nenhuma resposta, ele sequer levantou a cabeça. Dei alguns passos e toquei seu ombro — Por favor, onde estou?
Ela parou e levantou a cabeça e olhou para mim. Meu corpo inteiro estremeceu e eu saltei para trás. Não tinha rosto, ela não tinha rosto. Ao olhar para os demais, pois todos haviam parado para olhar em minha direção, nenhuma daquelas pessoas tinha um rosto. Fiquei paralisado e todas elas simplesmente baixaram a cabeça e voltaram a caminhar. As observei e passei a caminhar ao lado da fila para ver para onde se dirigiam. Não muito longe dali uma porta enorme estava aberta e elas passavam por ela. Depois eu não conseguia mais vê-las. Tentei entrar, mas não consegui. Havia uma barreira invisível que não permitia a minha passagem. Uma voz ao longe disse claramente:
— Este caminho é apenas para os vivos, aqueles que estão mortos na carne não podem passar.
Olhei tentando identificar quem havia dito aquilo e não consegui achar ninguém.
— Você, seja quem for, onde estou, por favor, sabe me dizer?
— Você está no paço dos esquecidos. Aqui estão todos aqueles que não sabem quem são. Esqueceram sua própria identidade e que, por causa disso, não possuem nenhuma identidade ou possuem mais de uma, se identificando com mais de uma personalidade devida à confusão mental que se encontram. Após passarem por aquela porta, terão um tratamento que as fará relembrar sua última identidade.
— Por que eu não consigo entrar?
— Porque você sabe quem você é e, como eu já disse, esse caminho é apenas para os vivos.
— Eu morri? – perguntei ainda mais assustado.
— Se você se refere à vida na carne, a resposta é não.
— Não entendi, se não estou morto e aquela passagem é apenas para os vivos...
— Para os vivos na espiritualidade, mas fechada para os mortos na carne. Você está no seu corpo carnal, então está morto para o plano dos espíritos.
— Espíritos? — perguntei dando uma enorme gargalhada em seguida.
Rapidamente o dono daquela voz apareceu ao meu lado, me assustei e caí sentado. Ele era alto e com longos cabelos pretos, uma túnica azul celeste e olhos castanhos que me fitavam com reprovação.
— É exatamente por pensar assim que você está morto para o plano espiritual. Você não crê que haja vida além da morte física. Logo, toda e qualquer situação na qual os espíritos tenham contato com você é ignorada e mesmo que consigam entrar em contato contigo, você coloca isso na conta de sonho ou alucinação. O que se se justifica, uma vez que toda vez que você tem contato com o plano espiritual é porque está drogado. Como acontece agora.
— Drogado? – levantei-me questionando-o furioso — Quem é drogado? Nunca usei drogas na minha vida e essa papo de espírito é besteira...
— Tem certeza que nunca usou drogas? - ele esticou a mão e tocou minha testa interrompendo minha fala. Em instantes eu não estava mais ali. Estava em lugares do meu passado, onde me via consumindo bebidas alcóolicas até ficar bêbado, misturando whisky e energético, experimentando narguilé e cigarro eletrônico as chamadas drogas legais — De qualquer maneira, você só está aqui agora por causa das drogas que acabou de consumir – ao terminar de dizer isso retirou a mão da minha testa e fez um gesto como se me empurrasse e tudo desapareceu.
Agora eu estava em outro lugar, sem nenhuma luz e algumas vozes me chamavam, ouvia choros e gritos e parecia que eu estava sendo arrastado. Eu não consegui me mexer, algumas vezes era tudo silêncio, outras vezes eu sentia que estavam me apertando, tocando em mim, mas não identificava direito as coisas.
— Alex! Alex! Consegue me ouvir?
De repente uma luz surgiu ao longe e sumiu.
— Alex! Ele ainda parece estar conosco – foi o que eu consegui ouvir — Alex, vamos garoto! Siga a luz, siga a luz.
A luz ressurgiu e começou a se mover à minha frente para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo. Eu tentei me levantar, mas era como eu meu corpo estivesse muto pesado.
— Ótimo, ele está estável – foi o que consegui ouvir – Bom trabalho pessoal! Depois disso, tudo sumiu.
Quando acordei, estava em um quarto de hospital e não entendia exatamente como havia parado ali. Minha mãe me contou que depois que eu já estava mais consciente que, após chegar do trabalho na sexta-feira dia quinze, cheguei muito nervoso e me tranquei em meu quarto. Como não desci para tomar café, ela me levou o café e deixou na mesinha do corredor, como sempre faz. Na hora do almoço, ao subir para me chamar, notou que eu não havia tomado o café que continuava lá. Bateu na porta algumas vezes, mas preferiu não insistir. Já à noite, quando deu a hora da janta e viu que eu não havia sequer saído para comer nada.
Novamente me chamou e insistentemente tentou abrir a porta do meu quarto, quando não obteve resposta, chamou meu pai que arrombou a porta e então me viram na cama, ao lado, na mesa de cabeceira encontraram o pote com remédios para dormir quase todo vazio, minha pulsação e respiração estavam fracos e eu não acordava, mesmo sendo chacoalhado.
Eu estiva em coma por três dias, não me lembrava de ter voltado a trabalhar, não me recordava de ter tomado o pote de remédios, não me lembrava de nada antes do dia oito, último dia que eu havia escrito no diário. Era como se eu tivesse deitado para dormir aquele dia e tivesse acordando no hospital. Os médicos fizeram uma bateria de exames e não encontraram nada. Meus pais me perguntavam porque eu tentei me suicidar, mas eu não tinha tentado me suicidar, não que eu me lembrasse.
E aquele lugar no qual eu estava, quem era aquele homem que me empurrou para a escuridão, aquilo foi um sonho? Ele disse que eu estava lá por causa das drogas, será que os remédios me causaram alucinação? Por que eu não conseguia me lembrar de uma semana inteira de trabalho?
Eram muitas as perguntas e nenhuma resposta me era dada. Pelo que consegui ouvir dos médicos, terei alta hoje e tenho que passar por um psiquiatra. Será que eu morri e voltei?
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Meu último dia de vida.
Mystery / ThrillerAlexanderson passou um mês planejando o último dia de sua vida. Há meses havia deixado escrito em várias cartas e um diário, enterrados no quintal, suas percepções sobre a vida, suas dores, os amores não vividos. No último dia de sua vida, deixou um...