29 de outubro 2016
Uma semana após o aniversário da minha avó, ainda estava pensando em todas as coisas que ela havia dito. A verdade é que eu não entendi nem metade do que ela disse e a outra metade eu não acreditei. Seria mesmo possível os mortos permanecerem presos aqui? Minha mãe é católica e meu pai nunca disse ter uma religião, ia à igreja porque minha mãe o obrigava a ir. Eu mesmo deixei de ir há muito tempo, minha mãe sempre lamenta e se culpa por ter "falhado" com a minha educação religiosa. A verdade é que eu nunca acreditei em nenhuma religião, especialmente por causa das coisas horrendas que eu sempre ouvi e também por causa dos abusos que certos "religiosos" faziam utilizando da boa fé alheia. É verdade também que haviam estórias incríveis de milagres e outras coisas fantásticas, contudo, sempre que pensava nisso o lado da balança pesava mais para as falcatruas do que para os milagres de verdade. E, não, eu não acredito em milagres.
Acontece que existem coisas as quais não é possível explicar, como o fato de minha avó saber que meu quarto estava sendo frequentado por duas pessoas estranha, um homem sedento e uma menina mal humorada. Ela não mencionou a mulher da casa da frente, então suponho que aquilo tudo seja apenas alucinação. A questão para mim agora é; como vou saber se o que estou vendo é alucinação ou coisa do além? Nem acredito que estou pensando nisso. Até porque, desde a visita, nada havia acontecido até dois dias atrás.
Fui ao médico e a tala foi retirada, finalmente poderia me locomover sem aquele incomodo todo. O médico recomendou que eu não fizesse nenhum esforço físico como jogar bola, corrida. Mal sabe ele que não pratico esportes. Recomendou fisioterapia e academia para fortalecer a musculatura. Ao sair do consultório, depois de duas quadras percebi que estava sendo seguido, não via exatamente alguém me seguindo, mas tinha uma estranha sensação de que alguém me seguia. Um pensamento me ocorreu, ir até o cemitério no qual vi a menina da última vez. Assim o fiz.
O carro de aplicativo parou, desci e olhei em volta. Nada de anormal, apenas pessoas visitando seus entes queridos, a movimentação parecia maior que o normal. Algumas bancas vendiam flores, outras vendiam coroas enormes com faixas e mensagens genéricas. Eram quase dezoito horas e os últimos rios de sol já se escondiam no horizonte. Entrei, retirei a boneca da minha mochila e fiquei caminhando entre as lápides um tanto quanto incomodado. Afinal, como eu saberia em qual das lápides colocar, não tinha o nome, não tinha uma imagem clara da garota, mal conseguia enxergar o rosto dela quando aparecia, era sempre muito assustador e repentino quando ela aparecia.
— Que tolice estou fazendo? – falei baixinho já pensando em ir embora. Nesse exato momento uma voz chorosa me disse.
— Por aqui... eu estou aqui.
Ao olhar para onde eu supus que a voz veio, via a garota atravessar uma árvore frondosa e caminha por uma das alamedas do cemitério. Parou em frente a uma enorme lápide, dessas de família. Tinha uma pequena capela erguida e sobre ela uma estátua de um anjo com asas abertas que apontava com uma das mãos para frente. De pé, diante da lápide, era como seu ele apontasse para mim. Havia uma foto da menina e segundos depois ela estava sentada aos pés do anjo. Havia uma pequena porta que dava acesso ao túmulo, entrei, acendi uma vela que havia levado comigo e coloquei a boneca e o laço de fita dentro da capela. Ao sair, a alma da menina estava de pé diante de mim, segurava a boneca e tinha o laço de fita sobre sua cabeça. Sorriu e desapareceu.
Voltei para casa, passei pela sala sem falar com meus pais que estavam vendo alguma série. Subi para o meu quarto muito pensativo, ainda não conseguia acreditar ou entender o que aconteceu e porque comigo. Olhei pela janela para a casa da frente. Tudo estava apagado. Quando me deitei, ouvi um sussurro.
— Água... muita sede... água!
Não precisei olhar para saber que era ele, o sedente. Meu corpo todo estava arrepiado, meu coração estava acelerado e era difícil eu me mover. Ainda assim, sai da cama, fui até minha mochila, peguei a garrafa que vovó Benedita me deu e coloquei sobre a cômoda. O homem caminhou até ela, mas desta vez não derramou a água no chão. Apenas parou e esticou uma das mãos como se fosse pegá-la, contudo, não pegou. Ainda assim, vi a água da garrafa sumindo aos poucos. Conforme ele bebia uma luz ia surgindo e quanto mais a água diminuía, mais a luz aumentava. Do meio da luz saiu duas pessoas.
— Meu filho! Meu amado filho – uma voz suave e doce de uma mulher chamava.
O sedento estava confuso e colocou as mãos sobre os olhos.
— Mamãe, é a senhora? Mas como?
— Sim, Sérgio, sou eu meu filho. Não importa como, apenas saiba que estou aqui e te amo. Jesus também te ama. Vamos, chega de sofrer.
O sedento começou a chorar e suas lágrimas eram muitas, soluçava e balbuciava coisas que eu não conseguia entender.
— Me perdoa mamãe, me perdoa mamãe – ele repetia sem parar – Eu errei, me arrependo... — nesse momento o choro foi maior e ele convulsionava em soluços.
A mulher se aproximou dele que caiu de joelhos e agarrou-se à barra do vestido dela, atrás dela mais duas pessoas surgiram. Pareciam enfermeiros, vestiam branco e traziam objetos nas mãos. Uma delas entregou a ele um copo.
— Beba, isso vai lhe acalmar – disse a mulher que, embora ele chamasse de mãe, parecia muito jovial e mais nova que ele. Tinha cabelos castanhos claros e uma feição de paz. Meu quarto estava inundado de luz, mesmo que todas as luzes estivessem apagadas. Ele bebeu seja lá o que era que tivesse no copo, os dois deram os braços a ele, a mulher o abraçou e afagou sua fronte eles se viraram e iam saindo. A luz foi diminuindo e, antes que se apagasse por completo, a mulher olhou para trás sorriu e mesmo sem abrir a boca, pude ouvir claramente em minha cabeça uma palavra de agradecimento.
— Deus o abençoe!
Acordei já eram oito e trinta da manhã e não estava claro para mim o que tinha acontecido, olhei para a cômoda, a garrafa estava vazia e havia dentro dela uma única gota de água, contudo, era uma gota de água cheia de luz, não importa de onde se olhasse, brilhava como um raio de sol.
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Meu último dia de vida.
Mistério / SuspenseAlexanderson passou um mês planejando o último dia de sua vida. Há meses havia deixado escrito em várias cartas e um diário, enterrados no quintal, suas percepções sobre a vida, suas dores, os amores não vividos. No último dia de sua vida, deixou um...