90 dias

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29 de janeiro 2016

Seguindo as orientações, no dia seguinte à visita das meninas da empresa, fui à tal consulta do psiquiatra. Confesso que foi diferente do que eu estava esperando, após uma longa conversa e exames laboratoriais saímos de lá sem nenhuma resposta, pelos menos eu sai sem nenhuma resposta, pois o médico pediu para conversar a sós com minha mãe e por mais que ela tenha tentado disfarçar, ela não saiu de lá com uma cara boa. Tudo oque consegui arrancar dela é que o médico marcou retorno e só poderia falar com mais detalhes depois que tivesse o diagnóstico definitivo. Ainda assim, eu estava afastado do trabalho pelo prazo de noventa dias.

Compareci ao R.H para entregar o atestado de afastamento, descobri que havia uma reunião agendada com o comitê ético da empresa, mas por causa do afastamento isso só ocorreria após meu retorno às atividades. A Priscila me adiantou que a reunião era sobre o processo interno, disse para eu não me preocupar e cuidar da minha saúde. Contudo, ficou claro que eu seria demitido após essa reunião e agora, com essa questão médica, a empresa fica impedida de fazer isso.

Sinceramente, odeio esse tipo de coisa, quando acabar o prazo da licença médica, eu mesmo pedirei demissão. Ninguém fala nada, mas posso ver os olhares de pena, os risinhos direcionados a mim, mesmo os meus pais mudaram o comportamento comigo, tentam ser mais gentis, parecem ficar escolhendo as palavras antes de falar comigo, como se eu fosse um maluco que poderia surtar a qualquer minuto. Por causa disso decidi sair ainda menos do meu quarto, toda vez que decido sair minha mãe tem um surto de ansiedade e recorre ao meu pai para me encher a paciência, como aconteceu hoje quando decidi fazer uma das poucas coisas que amo fazer, vestir meu moletom e ir ao cinema.

— Ah, não vai não senhor! Quer que eu morra de preocupação?

— Mãe eu estou bem. Preciso sair, preciso ver gente, não aguento mais ficar dentro de casa. Já me basta ficar sem trabalhar.

— Mas e se acontecer alguma coisa?

— Acontecer o quê?

— Sei lá! E se você... Se você passar mal? – ela terminou modificando a frase no meio. Obviamente ela não ia dizer isso.

— Se eu tiver um surto, a senhora ia dizer.

— Não, filho, claro que não. Carlos, por favor, me ajude aqui.

Meu pai veio com uma cara nada satisfeita por ter sido chamado.

— O que foi agora?

— Ele quer sair, ir ao shopping, diga a ele – ela falou arregalando os olhos e inclinando a cabeça.

— Dizer o quê? Ele é maior de idade, pode ir onde quiser. Além disso, o que tem demais ir ao shopping? Ele vive enfurnado naquele quarto, vai fazer bem se tomar ar fresco.

— Carlos! – gritou minha mãe.

— Valeu, pai.

Virei-me e fui saindo. Ainda consegui ouvi-la reclamando da falta de apoio dele e ele se desculpando, pois ela estava perto do parto. Pelos cálculos, uns quinze dias. Decidi ir no Cinemark, já que ia ver um bom filme, precisava de um cinema de qualidade. O problema era a distância, mas valeria a pena. Além disso, era bem próximo ao metrô, então, mesmo com a distância, não demoraria tanto para chegar até lá.

Como não foi nada planejado, eu mal sabia quais filmes estavam em cartaz. Ao chegar diante do painel com a lista de filmes que haviam estreados ontem, me decepcionei, nada que me chamasse muita a atenção: Caçadores de emoção – além do limite, Trumbo – lista negra, Pai em dose dupla e Anomalisa. Os que estavam em cartaz da semana anterior, eram ainda mais terríveis ou menos atrativos. Passei alguns minutos diante do totem lendo as sinopses de cada um dos filmes e nem me dei conta de que uma fila começou a se formar atrás de mim.

Meu último dia de vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora